Número de sílabas (desde 11/2008)

counter

domingo, 2 de novembro de 2025

PEGA

Luciana Brito Araújo - Vaqueiro na pega do boi da caatinga
(Clique na imagem para ampliá-la e na legenda, para acessar a página de origem.)


ah, se fosse fácil
marcar com o ferro da luta
na couro da alma
o anagrama elucidado,
o fim do mistério do corpo

corpo vazio,
vagando sem dono no meio do mundo

rês indolente,
carne, sangue, osso e víscera

boi arruado,
bezerro de ouro desadorado,
sem cura no rastro,
sem sol nem malhada,
sem aboio,
sem abate

rompe o espírito,
esse cavaleiro encourado,
a reduzir sua criação
mor de que a noite, que guarda a onça,
esqueça na tarde a queda

e fique de longe a aurora assistindo
a esse encontro tardão,
ainda que certeiro,
que nasce em seu encalço.

02/11/25

CONSISTÊNCIA


há mais de mim nas coisas do que em mim.
nos lugares, no cheiro do vento.
onde dormi, mais que o sulco temporário de meu corpo,
que a fina camada de gordura e pele,
há o sonho e o assombro.
lá ficaram.

mas, quando ali retorno o olhar de dentro,
vejo que mais estou do que pareço.
vejo que a porta aberta que esqueci sem chave
gravou de mim uma partida que é mais
do que fui quando cheguei.

há mais de mim mesmo onde só estive em pensamento.
nas ausências, nas impermanências, ali estou, vigilante,
marcando a estada,
prenhez e prole, eu mesmo, onipresente, populoso,
territorial.

só assim
para aguentar este deixar de ser
constante
em que me perco, hora a hora,
sem nunca acabar de ser inteiro.

sou porque não sou;
estou porque, em outros lugares,
me abandonei.

minha âncora é o mar.

02/11/25