Número de sílabas (desde 11/2008)

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

ERMIDAS


Era noite. Havia calor nos pés.
Algum lugar me chamava.
Não fui,
e a estrada se fez visagem
que me persegue em sonhos todas as noites,
que uiva, gane e bale em meus ouvidos
minhas próprias ermidas,
desconhecidas por mim,
que garimpo até esfolar as mãos
no chão agreste, sertanejo, piçarrento
das paredes do meu coração.

30/12/13

Força, Spider!


domingo, 22 de setembro de 2013

CAFÉ DA MANHÃ


Onde quer que eu não exista
deve haver algo, uma luz, uma sombra,
uma dança de moscas diferente na rotina,
um não-estar cheio de beleza,
uma água clara, uma moça morena
que nunca souberam do quanto eu os amo
dolorosamente.

Se eu me perdesse, se eu desexistisse,
será que haveria um meio, uma chance
de sentarmos todos ao redor da mesa,
leves, limpos, novos,
e conversarmos entre risos, sempre, sempre,
sobre o quanto fomos tão distantemente
infelizes?

22/09/13

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

ENCONTROS


Gosto do verbo “encontrar”.
Um dia, eu ando pelo corredor e encontro uma sombra nova
à qual nunca tinha posto reparo: irreparável.
E o encontro dos olhos com outros olhos?
É um dar-se de encontro nu, objeto de voyeur

Porém, eu me encontro vestido demais, desencontrado de encontros…
Nos cafés de gentes e barulhos, espero pela inesperável:
aquela que me ache encontrável, achável, impassível de impasses,
sentado, capuccino pela metade, vida já meio entornada…
Uma vida de esperas nos interlúdios entre sessões
de cinema;
de seminários;
de fotos;
e de insônias.
Uma vida não é o bastante:
é alguém que se encontra num adeus;
é a beleza do dia que só se mostra no mênstruo às portas da noite;
é o lembrar-se do sorrir rabiscado num espelho banguela;
é descobrir-se que se ama somente após o primeiro infarto.

Mas tem de ser aquela que me encontre mesmo,
como se encontram duas crianças de três anos:
definitiva e univocamente,
porque, convenhamos, nada pior que meios encontros…

Vai um par padrão de apaixonados:
mãos dadas, rostos miméticos,
corpos uniformizados
com os brasões e dólmãs vermelho-dourados da juventude do amor.
Qual dos dois sabe do outro o porquê de se estar vivo?
Qual não se acomodou com a superfície das águas
e mergulhou fundo na ausência da luz, do sol e das cores
e foi dormir no verdadeiro leito,
na escuridão onde dorme tudo aquilo que o outro
não pôde ser?
Quem pendeu tanto na corda bamba da memória
que se perdeu de si para encontrar no escuro
a única mão?

Também me encanta “ver navios”…
Aprende-se muito vendo navios.
Todos a bordo, vento no pano e no cabelo,
um mundo de sal dando sabor a um outro mundo,
e um mundo no meio para se aventurarem.
Contudo, fico na praia;
os pés, bem atracados na areia;
os olhos, cheios de adeuses.
Como um coqueiro que mais parece balançar o vento
e conhece dentro de si uma água que encontrou menina,
enterrada e esquecida, perdida, desmontada,
que nunca nadou no mar,
mas é doce,
passageira e nave de si mesma,
numa viagem bem maior.

09/09/13

sábado, 17 de agosto de 2013

INCELENÇA DE CORPO PRESENTE


Quando será que acaba
o que mal terminou de eternamente começar?
Uma dor de ouvido, uma tênue linha entre rotinas:
de um lado, uma vaga sensação de estar-se perdendo;
do outro, uma intátil lembrança de haver existido.
No meio do caminho, pernas abertas, olhares de açude
e camas destruídas pelo tempo e pelas febres.

Ausentes os nomes, ausentes os corpos,
jazemos um rastro de feitos pelo chão de lama seca:
retirantes de nossos próprios abandonos;
peregrinos sem canaãs.

Um tempo cheio de nãos ficou para trás de sua própria noite,
erma, esquálida, insalubre,
e uma aurora de vidro verde de má qualidade
guarda o vermelho-escuro das horas de além:
cair e fugir são a mesma coisa quando se perde o chão.

Nessa queda sem vento ou vertigem,
sem fim nem começo,
quando acabarão de passar pelos nossos olhos
as beatas carpideiras inquilinas coloniais sem joelhos,
as indesejadas senhoras fedidas a sebo
de nossos próprios corações?

17/08/13

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

QUANTA IRONIA, NÃO?


Retrato da ironia. O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e o governador do Ceará, Cid Gomes, conseguiram, sob os olhos e os protestos de um sem-número de fortalezenses, destruir a vegetação de uma área de preservação ambiental do Parque Ecológico do Cocó (que já foi esquartejado para a construção de shopping, prédios e venha lá o que vier) para a construção do mais inútil dos viadutos da cidade. Na foto (clique para ampliá-la), a guarda municipal, responsável por agredir os manifestantes, descansando na sombrinha da árvore que, também por ironia, escapou porque estava do lado de fora do Parque.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O OUTRO LADO


O destino não é místico.
Ele é uma compilação de passados
— todos imperfeitos —
que se esgueiram num espelho de antimemória
de cristal fosco de nossos ancestrais.
Nele, as falhas, todas, aperfeiçoadas
em infalibilidades.
Todas já passaram.
Todas já são.
O futuro, esse futuro,
é a sujeira nos cantos da moldura,
é a esguelha do olhar medroso.
O futuro é feito de um medo deificado.
Dentro dele, diante dele, que somos nós
senão prostrações estupefatas,
carnes esfoladas de joelhos imolados no asfalto?
Senão adoradores cegos de um deus óptico
que mora no mais abstrato de nossa covardia refletida?
O destino nem sabe de nós.
Nem nos conhece.
Parece assim:
passamos em algum lugar e nos deixamos resvalar um pouco
de modo que a carne de nossa alma deixou lá um cheiro
que se misturou a uma lembrança de cores e luzes
e cromou-se na foto ectoplásmica — a Memória.
Uma espécie de âncora dos deuses que tudo respalda.
“Lembras-te de como eras perdido? Em que deste?”

Não me lembro de nunca haver falhado ou estado perdido.
Lembro-me de, nas noites indígenas no fundo da rede da infância,
sentir medo quando me balançava alto
e gelar-me a barriga um frio magnético:
no topo do pêndulo, a revelação;
o terror, no centro da parábola.
Nessas noites, a vida me dava lições,
como que me preparando para o meu destino,
e me dizia “filho, dorme”.
Mas meu destino parece ser estar acordado
na ponta de um pêndulo cada vez mais lento e longo
cuja parábola ignoro há muito,
assim como me ignora o deus do outro lado,
esquecido de mim como eu, dele.
O que existe do outro lado do espelho?

06/08/13

sexta-feira, 26 de julho de 2013

MALDIÇÃO


(Para Shirliane Aguiar e Carmélia Aragão, com quem tive a conversa de que nasceu este poema)

O escritor é um amaldiçoado.

Amaldiçoaram-no a ver, ouvir, sentir
tudo o que os outros não veem, não ouvem e não sentem;
e mais amaldiçoado ainda o é
por tentar fazê-los ver, ouvir e sentir,
como continuando-os em si próprios,
mas para além de si e para aquém de sua própria maldição,

a fim de tirar um pouco do fardo
de ser sempre fardado desta ordem,
que é nunca ter de seus um domingo, uma horta, um cão
que não estejam maculados das verdadeiras peles
dos domingos, das hortas e dos cães.

Escrever é parir
como parem as mulheres estupradas,
as únicas cujos olhos nunca se embaçaram
ante o que são os homens,
as únicas cujo coração nunca se quebrantou
pelo gérmen da vida:

as únicas que olham seus filhos com os olhos crus
e os são capazes de amar para muito além
do que ama toda a gente ordinária
que lhes entope os ouvidos da piedade tão característica
dos que têm inteiras ainda as entranhas.

Escrever é parir a morte todo dia
e, todos os dias, ter de amá-la.

26/07/13

FELIZ DIA DO ESCRITOR



(A Shirliane Aguiar, grande amiga e poetinha)

O texto somos nós.
Só que de verdade.


Feliz Dia do Escritor, Shi.

25/07/13

segunda-feira, 15 de julho de 2013

DEPOIS DO DESENCANTO


Quando eu era menino
Tinha um sonho maluco
De achar assunto
Ser piloto de avião.

Queria ser de tudo:
Bombeiro, roqueiro, fazendeiro
Professor e cientista
E super-herói nas horas vagas.

Quando eu era menino
Uma hora o mundo era
Um estado pleno de alegria;
Outra, todo negro e morto

Em cinzas.

Hoje me entendo adulto
(Pobre de mim)
Ganhei ares de escritor
E insígnias de amante.

Vejo a vida racionalmente
Subtraio o joio do joio
E sem me exasperar
Me resigno à inutilidade dos dias.

Em virtude de certas dores da vida
Me tornei mineral
Na esperança de um dia
Me esconder do fim do mundo.

Quando eu era menino
Havia mágica em pedriscas
E todo o segredo da vida
Morava numa concha de praia.

Tudo era cheio de segredos
E de caminhos escondidos.
Tudo era intocável, inalcançável
À mão malvada que pudesse deturpar.

Hoje eu perdi a minha fé
Mais nas coisas que nas pessoas
(Porque as coisas não tiveram infância
Porque as coisas não mudam jamais)

— Exceto no balançador do parquinho:
Este continua invariavelmente
Medicando todos do mal
E nos aproximando do céu

Que ainda é feito de sonho e de estrelas.

10/04/00

segunda-feira, 8 de julho de 2013

LE PETIT


A imaginação é a divindade dentro dos homens.

14/01/12



VIGÍLIAS


Tantas vigílias…
Quando tudo acabar, digam-lhe que estive aquele tempo inteiro
em vigílias.
Vigiei seu sono, vigiei minha insônia.
Fiz de tudo àquelas horas:
uma colcha de retalhos;
uma casa na praia;
uma rua deserta;
uma saúde de ferro.
Não preguei nem parei os olhos,
que se evolaram das cavidades cranianas em fumos de idolatria
— há sobre uma pedra um ebó para cada noite
e um mar cheio de espelhos, perfumes baratos e pentes de feira —,
mas nada, nada suspeitava que seria eu
o ermo daquele tempo, o cume daquele pico, o fundo daquele mar.
Tudo e tanto que esperei,
e era de mim que caçoavam as horas presas
no fundo das garrafas nunca entornadas.
Ali, à espera, à espreita, à porta,
rompia os azulejos baratos do chão
— chão falso, chão de mentira de casa-de-sobrado —
a árvore anã da epifania:
não havia o que esperar.
Quebram-se ossos, imolam-se órgãos em tachos de ferro,
salta-se para o esmagamento lento
nas avenidas repletas de dezoito horas,
e, por fim, desespanta-se num desviver
de pedra de granito de boca-de-lobo.
Ali fiquei, estatuado.
Dali me observo, pétreo, imane ao que virá,
feito pedra que já foi espelho
onde se escreveram, a batom e hálitos, arremedos de corações
e toda sorte de eu-te-amos.
Digam-lhe isto, digam-lhe que já fui vigílias.
E que guardo em mim, como vermes, todas aquelas horas ocas,
tão caninamente esganiçadas por ossos, restos, migalhas,
que hoje me devoram.
E que o que elas comem tem nome
e se chama amor.

08/07/13

quarta-feira, 3 de julho de 2013

DESALEGRIA


É essa minha desalegria
que, em vez da lua e da rua,
me espera de alma nua
e mãos vazias
na cama do fim do dia em que não fui tua.

É essa minha desalegria
que, em vez da noite o breu,
me espreita de olhar ateu
e concha fria
do escuro do fim da vida em que não fui teu.

03/07/13

segunda-feira, 17 de junho de 2013

UM BÓ PRA RUA


Manifestação em Fortaleza.


Apesar de o nome deste blogue conter a palavra “silêncio”, tudo que está nele também cabe dentro do “grito”.

Esta segunda-feira marca um levante (discuta-se depois a gênese burguesa) da população de, pelo menos, ONZE CAPITAIS contra a situação político-econômico-sócio-cultural (poderia colocar inúmeros radicais aqui) em que se encontra esta “Bruzundanga”.

Mais de DUZENTAS MIL PESSOAS (de acordo com uma das reportagens menos vendidas da TV aberta) foram à rua e gritaram que não aguentam mais serem feitas de palhaças pelos gestores brasileiros. Pelo que qualquer um pode ver nas imagens que todos os telejornais mostram, são MILHÕES.

De um lado, as PM estaduais — seguindo determinações da FIFA (hein?) de não permitirem que as pessoas se movimentem em suas próprias cidades em virtude de “não atrapalhar o espetáculo” —, que atiram o que a lei permite nos manifestantes; de outro, uma massa de novos brasileiros, alguns velhos, outros, muito velhos, molhados por um copo que transbordou semana passada (por conta da resposta da PM de SP à manifestação contra o aumento das passagens de ônibus) com cenas que só foram vistas nas mesmas proporções no período da ditadura militar da segunda metade do século passado.







As coisas estão mudando. As cadeias de TV tremem com a Comissão da Verdade e andam na corda-bamba estendida sobre o fosso atapetado de lanças agudas da internet. Novos (e dificílimos) discursos políticos de campanha terão de ser redigidos. O povo tem um espelho erguido por si mesmo diante de si.
A onda começou.


17/06/13

segunda-feira, 20 de maio de 2013

CAMARINHA

Foto: Ana Cláudia Abreu, in Fotografia em Movimento

Existe uma outra vida
no reflexo da vida,
assim como uma árvore, em sua própria sombra.
Através do espelho,
uma luz se despe de seus raios
e deita nua, lânguida, felinesca
sobre a terra.
Uma dor amarela, uma cal patinada,
um sorriso febril
se desmancha e atravessa o hímen do ocaso,
e se deita outra, transformada,
na íris da água.
É a vida que se reinventa
desnuda dos homens e das palavras,
dos números, dos edifícios,
dos credos e dos conflitos,
como uma prostituta cansada
ao lado da rede de seu último filho.

20/05/13

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Bola de meia, bola de gude

Bola de meia, bola de gude

terça-feira, 23 de abril de 2013

PINTURA



Uma tela me disse, cheia de desejo:
“Me preenche…”
E eu me esvaziei.
Não lhe pude negar.
Dei-me a ela sem ressalvas, sem restrições, sem limites,
e nela estava eu todo,
derramado em ocres, cinza e turquesa,
transfigurado num noturno,
num cheiro de café, numa marchinha antiga
de carnaval.
Fora de mim, existindo, materializado num espelho imutável.

Tanto engano…
No oco das vozes caladas,
no vazio ácido do estômago
de onde me extirpara,
lá estava eu, sorrindo triste no canto da boca.
Estava lá como realmente e sempre havia sido.
Sem as cores, sem os cheiros e os sons,
como sempre fui:
o vulto sentado no escuro,
esperando.
Nu de pele, músculos, ossos, órgãos, sangue:
uma saudade sem nenhuma alma
que lhe atrapalhasse ser.

23/04/13

OLHO-D’ÁGUA



(Para Emiliana Paiva, cuja voz tem a cor daquilo que eu quero ser)

Aquele que sorve
em vez de beber
conhece melhor das águas e da sede
deste mundo.

21/04/13

quinta-feira, 11 de abril de 2013

舞 (DANÇA)



Na boca do meu amor,
o meu nome é uma palavra que dança.

11/04/13

sexta-feira, 5 de abril de 2013

GARGALO



Poeta não ama
nem pouco nem muito.
Poeta ama essencialmente
e bebe a vida sem canudinho, baby.
Poeta bebe a vida
no gargalo
e nem se importa
quando o excesso escorre
com a saliva
e vira poesia.

05/04/13