Número de sílabas (desde 11/2008)

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sexta-feira, 26 de abril de 2013

Bola de meia, bola de gude

Bola de meia, bola de gude

terça-feira, 23 de abril de 2013

PINTURA



Uma tela me disse, cheia de desejo:
“Me preenche…”
E eu me esvaziei.
Não lhe pude negar.
Dei-me a ela sem ressalvas, sem restrições, sem limites,
e nela estava eu todo,
derramado em ocres, cinza e turquesa,
transfigurado num noturno,
num cheiro de café, numa marchinha antiga
de carnaval.
Fora de mim, existindo, materializado num espelho imutável.

Tanto engano…
No oco das vozes caladas,
no vazio ácido do estômago
de onde me extirpara,
lá estava eu, sorrindo triste no canto da boca.
Estava lá como realmente e sempre havia sido.
Sem as cores, sem os cheiros e os sons,
como sempre fui:
o vulto sentado no escuro,
esperando.
Nu de pele, músculos, ossos, órgãos, sangue:
uma saudade sem nenhuma alma
que lhe atrapalhasse ser.

23/04/13

OLHO-D’ÁGUA



(Para Emiliana Paiva, cuja voz tem a cor daquilo que eu quero ser)

Aquele que sorve
em vez de beber
conhece melhor das águas e da sede
deste mundo.

21/04/13

quinta-feira, 11 de abril de 2013

舞 (DANÇA)



Na boca do meu amor,
o meu nome é uma palavra que dança.

11/04/13

sexta-feira, 5 de abril de 2013

GARGALO



Poeta não ama
nem pouco nem muito.
Poeta ama essencialmente
e bebe a vida sem canudinho, baby.
Poeta bebe a vida
no gargalo
e nem se importa
quando o excesso escorre
com a saliva
e vira poesia.

05/04/13

quarta-feira, 3 de abril de 2013

ROSAS FABRIS



Na mão, uma rosa
velhinha, velhinha…
Murchinha, na sua meninice de botão.
Um espinho no peito,
uma coisa dessas da vida
(a vida não sabe nada de desabrochos…),
e uma marca negra nas bolsas
que não dormiram seus olhos
denunciam os botões doentes
de velhices precoces,
de vidas-morte fortes,
ainda que moribundas;
ainda que rotundas, infecundas, veniais…

A rosa-forte do meu coração
(mais negra que rubra,
mais punho que afago,
mais carne que sangue)
desespera no cesto da florista,
ambas à espera.
Ambas, oxidadas,
comidas de fungos e sol
e eivadas de agonias febris,
habitam nos eitos das fábricas
entre as mãos cansadas
e as engrenagens sujas
que sustentam a torpe indústria dos idílios.

A rosa parada
numa calçada da vida
não enfeita,
não perfuma
nem comove.
A rosa, de mão fechada,
puta abandonada
entre o jardim e o cabelo,
não entende que é da vida
para o que der e vier.

03/04/13

segunda-feira, 1 de abril de 2013

DA IMPOSSÍVEL ANÁFORA



Não acho paz
para a minha falta de eus.
Há um que deveria estar aqui cuidando de mim
me impedindo de ser outro que me submetesse.
Há outro que deveria me usurpar
revolucionando-me no que é totalmente diferente de mim.
Há ainda um terceiro
sem nome, sem pronome
um mistério que nunca se revela
senão nos momentos de desespero
segurando as rédeas, dando gritos de ordem.

Em vez disso, sou uma casa vazia de anáforas.
Não rejo verbos
não substituo pessoas
não topicalizo frases.
Sou um pronome dêitico sem referentes
uma tautologia
uma elipse imperceptível.
Onde estou, não atuo nem sofro
os inúmeros verbos que cometo.
Não me predico, não tenho estados
sequer opinativos: nada se parece comigo.

Sou uma palavra que espera, ainda, ser inventada
dentro de um livro, em uma conversa de bar
e que remeta ao sentido estrito
dessa carência de realizações, dessa infinita espera
que é a única semântica existente na vida.

01/04/13