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domingo, 20 de fevereiro de 2022

RECORDAREMOS

Há de chegar o dia em que voltaremos a saber mais do que eles ignoram.
Não há no espaço do mundo agora — este espaço, esta causticidade de tudo que se toca, fala e vê —
lugar para ternuras, canteiro de amizades ou santuário de amores.
A estrada se converteu no destino, e estamos descalços no asfalto quente sem nuvens nem juazeiros.
Contudo, não há estrada hemisférica neste mundo; todas derivam; algumas vicinam;
e nossas mãos e pés constroem aquelas que o chão ignora.
Quase não há flores, mas ainda não houve tempestade nas estórias da noite que extinguisse as borboletas.
Hão de revoar, farfalhando-se como risadinhas de crianças brincando sem medo
nas capoeiras que a chuva recente vicejou.
Com as águas, voltarão os rios e as cachoeiras a mostrar como soa o amor de Oxum,
e tudo aquilo que deve descer para o mar se desmanchará devagarinho, rolando nos seixos até virar pó,
tornado estéril pelo sal marinho de Iemanjá.
Então, poemas serão reescritos e enviados como antigamente,
rangendo nas dobradiças dos peitos e nas juntas das mãos
as emoções ancestrais e os sentimentos renovados.
Amigos, num bar, contarão histórias que não deixarão esquecer quem perderam, quem se perdeu,
e estes, sob o calor das memórias, desmorrerão em árvores e passarinhos
cuja sombra e canto darão a toda parte o que dá um quintal a um menino recém-desperto,
que começa a lembrar como se colhe uma flor que se destina à mãe.
Começaremos a lembrar.
Voltaremos a saber tudo que eles sempre ignoraram.

20/02/22