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sábado, 26 de maio de 2018

VAMPIRISMO

Existem dificuldades na vida de qualquer um. O tamanho delas é sim relativo à resistência e à resiliência de quem as encara todo dia.
Tenho as minhas.
Não espero que me ergam do chão nem que me sustentem do outro lado da corda.
Sim, sou orgulhoso.
Herdei isso de meu pai.
Sofro o mais silenciosamente possível.
O que espero daqueles que gastam comigo a palavra amigo é uma memória, um pensamento e, no máximo, um olhar de camaradagem. Empatia. Isso me basta, pois me confirma a amizade.
O que me revira as tripas é me chamarem amigo sem serem capazes de se solidarizarem não materialmente, mas sim (pois é o que me importa) humanamente. O que me enoja é a superfície, o chão ordinário onde arrastam no meio dos egos inflados a palavra amizade e o meu nome, encangados em filigranas e louçanias de falsidades. O que me esgota o espírito é esse egocentrismo radiado em teias que capturam somente o que é agradável ao paladar exigentíssimo de caráteres que espelhem apenas as anuências, as concórdias, os sim-senhores. Não sou comida de ego. Não sou alimento de aranha.
Meus amigos todos são indivíduos. Todos têm defeitos e peças faltantes. Todos são, à sua maneira, inadequados. Mantenho de todos uma certa distância, pois não sou fácil e não quero fatigá-los, mas olho para todos com olhos e coração. Sinto falta deles legitimamente, pois amo-os legitimamente e, também legitimamente, quero-lhes o melhor. Vale-me mais a mão que vai ao peito de seu próprio corpo em meu nome que aquela esfregada na perna da calça após me ajudar a levantar do chão. Sim, entendo a rejeição e aceito rejeitarem-me. É humana a fraqueza e é humana a covardia. Deixem-me onde estou, pois estes são os meus pés. Porém, olhem-me como seus corações me olharam quando estive ao seu lado e vejam quem sou. Não me ergam por obrigação. Nunca os reduziria assim.
Que não se desperdice, enfim, a palavra amigo. Se não os tem, guarde-a honestamente para si. Se é extensa a sua teia e numeroso o enxame de insetos nela, entenda que sou pesado e insustentável. Não me insulte com a magnanimidade de sua esmola falsa. Deixe-me, por fim, em paz, que a minha pobreza é o que tenho de melhor neste mundo de deidades.
26/05/18