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sexta-feira, 25 de maio de 2012

SPIRITUAL


(Para Camila Rocha, mi demonito de alas dulces)

Entre ter alma e ter espírito, escolho o segundo.
Dos dois, é o único que, como eu, tem os pés sujos e rachados,
e conhece o ar pesado da insônia
de sonhar-se para além daqui.
A alma, esta, jaz sempre dormente, à espera,
Cinderela de um beijo que é só promessa.
A alma é uma rapariga mimada,
inarticulada,
de quem se sabe só que é casa oca,
onde, moleque, ralou-se, destroncou-se, esganiçou-se traquino
o espírito menino
cheio de ranhuras
e de vidas escondidas nas vidas
das árvores mortas espalhadas nos quintais
onde brinquei de ser quem sou.

25/05/12

domingo, 13 de maio de 2012

SAGRADO CORAÇÃO


Se, em teu coração mais íntimo
— dos tantos de que se faz um homem —,
pulsa um
que é maior que tu,
és filho.

13/05/12

terça-feira, 1 de maio de 2012

DO ENCONTRO


Era velho antes
— e nasci!
Sabendo de meu corpo
apenas o útil e necessário
— que métier da carne é donzelar-se
para, só depois, vagabundear-se pela vida —,
esperei por ele e ainda espero
numa dessas confluências,
uma bifurcação,
de cujas estradas uma, de tanto ir e vir,
já sou eu.
Desde sempre, espero-me.
Anseio por dele dizer:
“Eis que o vejo, roto, cambaleante, aleijado…
Eis que lhe ouço o gemer das vozes ósseas
dizendo, rumorejando os nomes de todas as coisas
que o trouxeram até mim.
Eis-te, corpo que agora pareces comigo,
eis-te, marido, eis-te, esposa, eis-vos, filhos, pai, mãe e ignotos avós.”
Que de espera… Que de saudades de casa!
Minh’Aruanda, minha Santa Bárbara,
meu mundo de lugares onde estive e os quais fui.
Minhas serras, meus mares e meus quintais,
minhas árvores, meus rios,
resgatarei ainda algo de meu corpo?
Ou terá tudo sido só a estrada,
só a poeira sulcando nas gretas dos pés
e o negro salgado azulando as unhas das mãos?
Deveria ter-me deixado uma pista quando nasci:
talvez, um borrão na retina,
talvez, uma puxada na perna…
algo que de mim soubesse
para me contar depois.
Acontece que estou cá
e por aí,
certo de unir-me as córneas e o espelho,
e vestir-me enfim
do agasalho de minha pobre e quente pele,
calçar-me de meus pés
e dizer de minha velhice à outra, também minha,
mas mais velha, mais sofrida, tão cheia de tanto do tanto daquele mundo
— que ficara para trás —,
que chegamos, ainda que não juntos,
à gênese de nossas horas, tantas e tão velhas,
tão amontoadas,
tão estranhas às paredes de seus quartos
quanto nos foram os cálices com que nos serviram a vida.

30/04/12