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Já fui um caçador de sonhos. No redormir, pelejava com os meus labirintos de além por encontrar nem que fosse um rastro, uma sobra de mim e dos meus vilões de havia pouco. Tive pouquíssimo sucesso nessas empresas. Sonhos são criaturas de vento e fumo, desprovidas de fidelidade e teimosia. Pesadelos, então! São como assaltantes de alma, que levam a paz e deixam a aventura no lugar. Mesmo nessas caçadas exitosas, não conseguia capturar a presa inteira, em perfeito estado. Isso se dava, acredito eu, porque não deve ter muita graça para uma onça fingir que é um peba e enfiar-se terra adentro para ela mesma dormir o seu sono onírico. Caçadora é ela, sempre foi, não eu, nunca eu! Mas, aqui e ali, um sonho deixava-se pegar pelo rabo e corria de novo comigo pela mágica universal da criança que todos nós voltamos a ser quando os caçamos.
Hoje, sonhar parece ser só algo que acontece, e ter pesadelos não deixa mais a sombra corsária do náufrago resgatado nem a angústia azul-celeste do fugitivo em liberdade. Também é só algo que acontece, arrancando a paz e deixando um buraco prenhe de perguntas renegadas. E a alma, violada, não quer nunca mais dormir. E o espírito, vigilante, de faca na mão, com sangue nos olhos, do lado de fora da casa do corpo, espera. O dia inteiro, espera, até que o dia, esse fascículo rude da vida, insípido como um chiclete frio e mastigado, traga outra vez o acontecimento do sono e vença.
Não busquei nem fui buscado. Apenas aconteceu. Não tem nenhuma glória o tropeçar em alimento morto, mas come-se, digere-se e espera-se que, dentre o capim seco das primeiras horas, ressurja a caverna de Grenouille, e o meu mundo de aromas me ascenda novamente à selva lisérgica onde minha alma volte a ser das feras a amante medieval, expectante, apavorada e gozosa na torre do castelo.
29/06/20