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quarta-feira, 8 de março de 2023

PAUSA PARA UM CAFÉ

Jongensspelen (aprox. 1860-1870) – Jogos de meninos anônimos: histórias para jovens.
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— Chegamos bem perto desta vez.
— Nunca tão perto, nunca tão longe. De onde estamos, há mais léguas entre nós que uma vida inteira de caminhada.
— Mas eu te sinto aqui.
— Esse não sou eu.
— Quem, então? Eu próprio? Meu reflexo, minha criação?
— Olhando daqui, estás só. Percebo-te outro, indissociável de ti, porém, outro. Tens mudado muito.
— Não é a mim que olhas. Estás de cabeça baixa.
— Pois é. É a ti que olho.
— Não pode ser! Vejo-te diante de mim! Quem és tu, senão tu mesmo, tu, que eu vejo?
— Teu olhar também não é o mesmo. Ele te ilude as medidas. Crês mesmo no que vês?
— Queres me enlouquecer!
— Não. Como disse, estás só. Nisso, em tudo, em ti. Só, como sempre.
— Então, com quem falo? Com quem grito? A quem tenho, como uma sombra, manejado minha caminhada?
— A mim.
— Então?
— Não existo mais sob teus olhos nem mais sou a teu lado. Tenho me movido muito pouco, alguns passos, apenas. És tu que giras e danças e saracoteias em carreiras infantis. Eu apenas cresci. Tu…
— Espera! Não cresceste! Vejo-te aqui, a meu lado, à minha altura.
— Já disse: estás só. Escolheste estar.
— Estou louco, então! Falo com quem não existe, vejo o invisível!
— Não. Eu existo. Tu, por outro lado…
— Estou morto?
— Não. Pior. És memória.
— …
— Terminei meu café. Podes voltar a brincar agora.
— Contigo?
— Como sempre.
— Pega-pega?
— Polícia-e-ladrão.

08/03/23

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