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terça-feira, 28 de março de 2023

NÃO HÁ NADA LÁ FORA



Não há nada lá fora.
Nem amigos, nem punhais.
O capim roxo entre as estrelas silencia,
e os enquadramentos opacentos
— a miopia do desejo —,
nem que exatíssimos,
nada mostram.

Vive aqui, em desterro,
na inóspita mesa da cozinha,
na caneca de café esquecida,
entre a escuma fria e ressecada,
o acúmulo das horas do dia,
deste dia, de tantos outros dias,
em que desejei estar lá fora,
andarilho, transeunte, enturistado em minha própria terra.

Lá, nas possibilidades extremas,
no mágico do mundo,
vive um eu que não permito,
um audaz que acorrento,
um herói que acovardo.

Porque não há nada lá fora que o justifique
ou que o mereça
ou que o conforte.

Lá fora, o mar é dos navios de carga;
o vento, dos voos internacionais e domésticos;
o chão, do trânsito de entregadores de aplicativo
e das carretas articuladas que saem dos portos
e alimentam os povos.

Não, não há nada lá fora
que valha a insônia seca no leito seco
da caneca seca do café
que me anoitece de luzes o estômago
e que me põe no sangue um novo eu
a cada vez em que me abraça.

28/03/23

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