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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A LATA DE LIXO DA HISTÓRIA

O livro A lata de lixo da História, de Roberto Schwarz, foi publicado em 1977.

    Bom dia.
   Não é mais possível existir limpo. Embora haja ainda os limpos, o ar quase sólido do fedor brasileiro os enterra na indignidade como tênias, como lombrigas cegas nos intestinos da mendicância civil. O único lugar habitável do País, encimando o monturo mais alto, da mais tóxica salmoura, é a lata de lixo da História. Ah, o glorioso vasilhame, o camburão onde estão os mais imundos, os mais legítimos patriotas desta máquina de moer carniças! Lá, todos são ricos e brancos, inclusive os pouquíssimos não-brancos; sua famílias, prósperas de bilionaridades; suas relações, intimíssimas, mais íntimas que a de Deus com o papa. De lá, dessa vedeta, lugar de vagas seletas, reservadas aos alpinistas mais hábeis, vertem riachuelos escuros e pastosos, compostos da decomposição dos povos ainda esfiapados entre os grampos de suas botas. Nunca são limpas, pois são distintivos da força e bravura com que o conteúdo da lata mereceu o seu continente. Quanto mais carcaças entre os dedos, tantos mais auspícios entre os seus, e, consequentemente, mais alto o seu lugar na pilha, a qual, como toda boa pústula, entumesce indefinidamente gorda e vertical. No pico, a bandeira hasteada, mortalha indecentíssima do cadáver em decomposição eterna, freme putamente acenos desavergonhados de luxúria direcionados ao céu da lata de lixo, ao céu de todas as latas de lixo da História, a tampa distante, cujas enormes ranhuras, vistas de um certo ângulo, lembram a sola de uma enorme bota onde se lê, com a solenidade e a servidão que a fé verdadeira exige: "made in USA".
    Bom dia.

02/02/21

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