(Para o meu irmão, que me fez querer dançar.)
foi-se o meu sangue,
foi com os mortos,
foi para as almas.
foi-se um herói torto,
peça inútil num quebra-cabeças errado,
que morreu muito antes da morte,
campeando a bandeira da ruína.
que minha mãe o acolha,
que meu pai o perdoe
e lhe peça o devido perdão.
que haja um céu onde ele caiba,
que haja um anjo que lhe valha,
de berimbau na mão
num terreiro de paz.
que lhe acabe a guerra
com o tátil invisível,
e que o deus dos meninos que se perdem
lhe mostre a melhor parte da praia
onde as conchas e os búzios mais lindos
aguardem-lhe a colheita do artesão.
foi-se o meu sangue,
foi-se um meu herói
— o meu belo e louco guerreiro manco —,
mas um menino dentro de mim
ainda imita, fiel e dedicado,
o moleque que o inspirou
e não morreu.
25/03/20

Este blogue se destina ao uso artístico da linguagem e a quaisquer comentários e reflexões sobre esta que é a maior necessidade humana: a comunicação. Sejam todos bem-vindos, participantes ou apenas curiosos (a curiosidade e a necessidade são os principais geradores da evolução). A casa está aberta.
quarta-feira, 25 de março de 2020
O CORPO
o silêncio é o verdadeiro corpo
daquilo que chamamos alma.
gritar, gemer, sussurrar, escrever,
tudo isso é roupa,
babilaques adornosos e rudimentares
que se esganiçam na construção de uma forma
que mais deforma que define
o eremita silente
que dorme como as estrelas das crianças
num céu apenas imaginado.
é no silêncio que existe
o deus que nos mendiga.
25/03/20
daquilo que chamamos alma.
gritar, gemer, sussurrar, escrever,
tudo isso é roupa,
babilaques adornosos e rudimentares
que se esganiçam na construção de uma forma
que mais deforma que define
o eremita silente
que dorme como as estrelas das crianças
num céu apenas imaginado.
é no silêncio que existe
o deus que nos mendiga.
25/03/20
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Poema
segunda-feira, 2 de março de 2020
O INVISÍVEL
e esta incomunicabilidade?
resolve-se como? com a poesia?
mas se a mesma poesia necessita
da intermediação do vazio,
esse céu e inferno dos talvezes,
para, só depois de muito garimpo
e erros de labirinto,
chegar única, singular
e diferente de mim
a quem nunca é quem lhe iniciou
a leitura
e menos ainda
— menos que nunca —
a quem lhe estufa as asas?
é como mandar por um filho
um recado
que ele balbuciará disléxico
ao seu pai adotivo.
amigos morreram; amores, também.
mas o motor das mandíbulas
vibra em ponto-morto
o que o sinal, sempre fechado,
ilegaliza.
a noite dorme.
eu, não.
ultrapasso o cruzamento,
certo de colidir.
porém, adiante, o asfalto,
negro e fustigado,
prostituta esgarçada em seu sono de repouso,
ressona ao meu atrito
a ausência de todos os veículos.
somente os gatos,
suicidas atocaiados,
cruzam as linhas comigo.
entre latas e copos virados,
colorimos o p&b do inferno
e escrevemos escandalosamente
o invisível.
02/03/20
resolve-se como? com a poesia?
mas se a mesma poesia necessita
da intermediação do vazio,
esse céu e inferno dos talvezes,
para, só depois de muito garimpo
e erros de labirinto,
chegar única, singular
e diferente de mim
a quem nunca é quem lhe iniciou
a leitura
e menos ainda
— menos que nunca —
a quem lhe estufa as asas?
é como mandar por um filho
um recado
que ele balbuciará disléxico
ao seu pai adotivo.
amigos morreram; amores, também.
mas o motor das mandíbulas
vibra em ponto-morto
o que o sinal, sempre fechado,
ilegaliza.
a noite dorme.
eu, não.
ultrapasso o cruzamento,
certo de colidir.
porém, adiante, o asfalto,
negro e fustigado,
prostituta esgarçada em seu sono de repouso,
ressona ao meu atrito
a ausência de todos os veículos.
somente os gatos,
suicidas atocaiados,
cruzam as linhas comigo.
entre latas e copos virados,
colorimos o p&b do inferno
e escrevemos escandalosamente
o invisível.
02/03/20
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