Foto: Waleska Santiago, em Fundação Nacional do Índio - FUNAI
Pessoal, hoje,
após mais uma teste de admissão para as Casas de Cultura, eu entrei na página
do Facebook e me deparei com a seguinte postagem: “Na prova da Casa de Cultura
eu aprendi que eu preciso saber a porra da história dos índios do Ceará pra
poder aprender inglês!” (sic).
Levando em conta
a repercussão negativa que ela causou, incluindo a criação de “memes”, eu
temi que tanto a postagem quanto os comentários fossem excluídos, logo decidi
reproduzir novamente na página das Casas apenas os meus, pois acho que a
discussão sobre o tema é interessante. Aqui vão:
“Agora me deu
uma mistura de preguiça com tristeza. Talvez a culpa seja do modelo de ensino,
talvez seja o distanciamento cultural do o objeto de estudo em questão (a
CULTURA dos índios do Ceará), talvez seja o enfado natural do candidato diante
de uma prova... São muitos talvezes. Porém, temos uma certeza: a PORRA da
história dos índios figurou mais uma vez na história dos indivíduos ‘não-índios’
como a subcultura da qual se tenta libertar.
Tristeza e
preguiça. Porque, depois de tantos diálogos, de tantos exemplos, de tanta
internet esfregando A PORRA DA HISTÓRIA DOS ÍNDIOS na cara da gente e durante
um período efervescente de discussões acerca da importância do conhecimento das
diversidades CULTURAIS (incluindo a CULTURA BRITÂNICA, é claro, entre tantas
outras macro e microculturas, além das culturas de grupos sociais), e durante
uma época de lutas e de movimentos sociais, a gente tem de se deparar ainda com
o ‘complexo de vira-lata’ descrito por Nelson Rodrigues, que descreve o
brasileiro como um autossabotador nato. ‘Ficar de frente para o mar e de costas
pro Brasil não vai fazer deste lugar um bom país’, já dizia, se bem me lembro,
a música cantada pelo Milton.
Quem sabe, se
Hollywood fizesse uma série enlatada sobre o que é ser um índio no Brasil, a
PORRA DA HISTÓRIA deles, depois de maquilada, estereotipada, macaqueada e,
enfim, vendida em ‘drops’ semanais de
drama erótico-social-tragicômico, não seria aceita pela gente? Contanto, é
claro, que não escalassem nenhum ator brasileiro pra fazer os papéis
principais, pois aí, ah, aí perderia toda a graça...
E, pra quem
achar estranhos os substantivos ‘tristeza e preguiça’, ou pra aqueles que não
os entenderam no contexto, eu explico: TRISTEZA e PREGUIÇA são os sentimentos
que qualquer professor (no meu caso, de PORTUGUÊS, INGLÊS, ESPANHOL e suas
LITERATURAS), tem diante de demonstrações de BURRICE. E, ainda, pra aqueles que
acharem pesado o termo BURRICE, eu explico: BURRICE não é IGNORÂNCIA. Esta significa
desconhecimento, coisa que se resolve mais ou menos facilmente. BURRICE
significa que, uma vez exposto ao conhecimento em si ou ao seu aprendizado, o
indivíduo nega-os, ignora-os, desaprova-os, desdenha deles etc. BURRICE é não
pensar. Ou, neste caso, achar legalzinho pensar com ‘espírito-de-porquice’,
modinha bem nojentinha entre os usuários facebookianos atuais.”
Apesar das
aspas, o texto é meu. A discussão virou debate, voltou a virar discussão e
terminou com a natural polarização entre os “certinhos cult” (como me chamaram, coisa que não tenho a menor ideia do que
signifique naquele contexto) e o pobre garoto que foi mal interpretado, ou
seja, entre os hipócritas e os não-hipócritas. O problema, o verdadeiro
problema, é que todos perdemos com isso. Uma questão mal elaborada, uma prova
difícil, um candidato reprovado, nada disso é o verdadeiro tópico. Se
estendermos a imbecilidade do que foi dito, chegaremos, certamente, à
xenofobia, à cegueira do preconceito regional e étnico que reina no Brasil, mas
teimamos, no post, na polarização “cult versus…
versus… OS INJUSTIÇADOS”! Lembrando
que o “injustiçado” em questão foi o garoto que escreveu “a porra da história
dos índios do Ceará” (sic). Todos perdemos. Inclusive, as nações indígenas do
estado do Ceará, que estão sendo expulsas de suas terras para construções
estatais e privadas; que são tratadas como comunidades marginais; que são
mantidas enterradas no esquecimento daqueles “não-índios” pelas escolas, pela
TV, pelos 3 Poderes; e que (imagino) sequer estavam presentes na sala de prova
para ver sua cultura, desta vez, aparecer num teste de seleção para a Casa de
Cultura Britânica. Contudo, deve ter sido só coisa “para inglês ver”.
02/02/14
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