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domingo, 19 de abril de 2020

MEL


Minha mãe era fã da Bethania. Nesse álbum, percebe-se, quase destruída pelo tempo e pelos maus cuidados, a dedicatória feita a ela pelo meu pai, no ano seguinte ao seu lançamento, 1980. Era costume dele assinar os discos da casa, ainda não sei se como uma forma de protegê-los de extravios (e foram muitos) ou como uma segunda autoria, um registro de que ele mesmo pertencia aos discos, pois estes diziam dele o que ele nunca fora capaz de dizer. "Mel" é especial pra mim, pois, dentre os que sobreviveram às décadas e à ruína do que nossa família fora, ele "me incomodava" porque era sinestésico. Só hoje sei atribuir-lhe esse adjetivo. As canções têm cheiro, sabor, textura. Ouvi-las é ser eu menino, observando minha mãe comendo a voz da Bethania com os olhos, os ouvidos, os poros, uma voz que abria outra dentro dela, silente, e esta eu ouvia, e é a que canta pra mim de novo e de novo. Dói bastante, mas dói a dor humana de saber-se pequeno diante do sentimento, que é tão grande, e tão bom.

18/04/20

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