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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

SEM O CORPO

o corpo, este persiste.
eu, não.
sinto inveja dele, que existe
incondicionalmente,
assim como os mendigos e as mães.
existe em corpo, existirá em pústulas e nitratos.
existirá na terra e na flor continuada.
federá e subirá aos ares, será atmosfera e umidade.
o corpo sempre houve, e sempre existirá,
mesmo quando retornar carbono
ao ventre materno das estrelas.
já o que nele existe, que sou eu,
este não se pode dar ao luxo de não possuir condições.
eu, o inquilino do meu corpo, abro mão dele
humildemente,
pois só existo vadiando
pelos corpos de pensão
e sob as marquises dos corpos de ofício
que me cedem sombra.
existo na existência que me observa e me percebe
e na que me escala, de quando em quando,
para um carteado de corpos ou uma batalha de xadrez.
sem isso, perdoem-me,
mas existir não basta,
nem no meu eterno corpo
nem na pauta lagrimada.
amputado, vou para onde vão os feitos,
as palavras e os silêncios:
para esse nada tão indolente
que a memória-mãe trata de conduzir a um nada ainda maior
onde vivem os líquenes lodosos
das memórias órfãs e das assombrações mudas.

12/02/20

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