Seus olhos aprocelados
De tantas santas-marias
Fingem cerrar, quando dizem
Que são muitas dores em cada presença
— que se esgarçam em suas tessituras
E que nunca alcançam umas às outras,
E que não se dizem,
E que existem sós em sua inexistência.
Dolorosamente chovem,
Indissipadamente crescem,
Enrugando raios, embolsando trovões,
Encrespando de piedade o mar dos seus homens
E afogando todas as almas que perderam,
Que esqueceram de levar às ilhas desertas de seus dias.
Por onde se esparsam, sem se dividir,
Sem nascer nem adolescer em seu envelhecimento
— que é tão comum na resignação parda dos simples —,
Aspergem dolentes, sobre as flores dos homens,
Crescentes de outonos, instâncias de sombras mornas,
Modorras de estios mornos, cadências de mormaços
Que, apenas se iniciam,
Queimam a pele da terra
Como queimam seus cristalinos de pedra, couro de sua pele.
Seus olhos ígneos e amarelos
Defloram os baixios onde casas se amontam,
Onde gentes dormitam e ebulem quietas
— flores cálidas que morrem vivas em suas cores —,
E seus raios choram sua dor,
E sua dor também não os alcança,
Também não os iguala dentro de suas córneas.
Arrebentam na porta dos homens
Seus olhos vítreos e opacos de aluvião:
Não abrem!
Desabalam os cachoeiros cheios de espasmos violentos
De seus olhos de queda-d’água
Suplicantes,
Efusivos de desespero pela infertilidade dos homens:
Não abrem!
Seus olhos afantasmados de vento
Tão-só vestem, invisivelmente comiserados de dor, os homens,
E se apiedam em levantes bafejados de pó
Contra seus corpos, contra seus olhos,
Contra seu caminhar bovino,
Contra sua carne de aço:
Não abrem!
As portas dos homens estão cegas
Aos seus olhos de sol
— portas sem frestas —
Que fazem com que a terra chore na ascensão do vapor que vira nuvem,
E que chore o céu na nuvem que vira rio,
E que sangre a terra no rio que vira mar,
Que o céu veste desveladamente azul de órbitas afadigadas e atentas,
Qual um manto pungentemente vivo
Onde brilha rosa-dourado um camafeu de lua,
Que, em seu brilho, chora.
Como choram seus olhos lácteos nas noites de vigília.
23/06/2009

Este blogue se destina ao uso artístico da linguagem e a quaisquer comentários e reflexões sobre esta que é a maior necessidade humana: a comunicação. Sejam todos bem-vindos, participantes ou apenas curiosos (a curiosidade e a necessidade são os principais geradores da evolução). A casa está aberta.
terça-feira, 23 de junho de 2009
CARIÑO LUCERO
Soy lo que me haces
Estoy donde me piensas
Tu risa es tu retrato
Mi risa, tu presencia
09/04/2009
Estoy donde me piensas
Tu risa es tu retrato
Mi risa, tu presencia
09/04/2009
sexta-feira, 12 de junho de 2009
MESÓCLISE
e tudo fica assim
torto
cego
.
o momento carne-e-cruz
em cima do morro dos olhares.
extraído, subtraído, substrato.
a fila das horas
s
e
g
u
e
l
e
n
t
a
m
e
n
t
e
de sàrt para frente.
o que é torto e cego descarna-se sobre o morro
e uma pequena mas fatal
mesóclise
explicitar-me-á
diante de todos os outros.
19/01/2006
torto
cego
.
o momento carne-e-cruz
em cima do morro dos olhares.
extraído, subtraído, substrato.
a fila das horas
s
e
g
u
e
l
e
n
t
a
m
e
n
t
e
de sàrt para frente.
o que é torto e cego descarna-se sobre o morro
e uma pequena mas fatal
mesóclise
explicitar-me-á
diante de todos os outros.
19/01/2006
PRÁXIS
Ver na carne a luta de uma vida inteira.
Vê!
E o que se verá é carne-só-carne
porque a fresta que mostra a carne verdadeira
a carne roxa de hematoma
a verde de sal
a negra da ferida
a gris da alma toda suja — suja do mundo
essa só se mostra para além, bem além
do fundo dos olhos.
Essa, não há espelho que exponha.
19/01/2006
Vê!
E o que se verá é carne-só-carne
porque a fresta que mostra a carne verdadeira
a carne roxa de hematoma
a verde de sal
a negra da ferida
a gris da alma toda suja — suja do mundo
essa só se mostra para além, bem além
do fundo dos olhos.
Essa, não há espelho que exponha.
19/01/2006
JÁ NÃO SEI MAIS DANÇAR
Agora, já não me pulsa nas veias o sangue libertador
e o sem-brilho da escuridão forte e determinada
já não flui.
Agora, pedaços de carne se espasmam desencontrados,
perdidos, esquecidos por sobre os ossos sem dia e sem noite.
Por onde andam os espíritos das casas que fui,
onde estão guardadas as horas que passamos juntos?
Já não sei mais dançar.
Só restaram a poeira dos móveis, uns livros velhos e não-lidos,
uma arca de tesouros vazia de valor.
Preciso é acender a luz, descortinar o lume velho,
afogar a abstinência de muitos e muitos anos da fria realidade.
Preciso agora, mais que nunca, enxergar.
Os olhos abertos, no entanto, contam-me novidades desagradáveis,
coisas que penso já haver visto.
Talvez com os olhos antigos, de outros carnavais.
Talvez pressentido, com um sabor às vezes amargo de antigamente,
como se chegado um vento descuidado e fugidio,
um aviso da vida: nos encontraremos.
Hoje choveu e está quente.
Não há música em parte nenhuma da casa nem em mim.
Mesmo se houvesse,
mesmo que girassem de novo as pás do meu velho moinho,
já não danço mais, já não sei mais de nenhum carnaval.
17/03/2007
e o sem-brilho da escuridão forte e determinada
já não flui.
Agora, pedaços de carne se espasmam desencontrados,
perdidos, esquecidos por sobre os ossos sem dia e sem noite.
Por onde andam os espíritos das casas que fui,
onde estão guardadas as horas que passamos juntos?
Já não sei mais dançar.
Só restaram a poeira dos móveis, uns livros velhos e não-lidos,
uma arca de tesouros vazia de valor.
Preciso é acender a luz, descortinar o lume velho,
afogar a abstinência de muitos e muitos anos da fria realidade.
Preciso agora, mais que nunca, enxergar.
Os olhos abertos, no entanto, contam-me novidades desagradáveis,
coisas que penso já haver visto.
Talvez com os olhos antigos, de outros carnavais.
Talvez pressentido, com um sabor às vezes amargo de antigamente,
como se chegado um vento descuidado e fugidio,
um aviso da vida: nos encontraremos.
Hoje choveu e está quente.
Não há música em parte nenhuma da casa nem em mim.
Mesmo se houvesse,
mesmo que girassem de novo as pás do meu velho moinho,
já não danço mais, já não sei mais de nenhum carnaval.
17/03/2007
DA ESPERA DA CONCHA

Espero como a concha espera a onda no marNa beira, vem a ondaEla lambe, afaga e quebraE traz e leva e salga e fustigaDe carícias conjuntas e infinitas a conchaQue derrete, que dissolve e desapareceQue, só querendo ser levada para longe, pra longeÉ levada pra sempreNa carne misturada da ondaQue é, na verdade, infinitas conchasQue ainda esperam, vagando pelo marEspero como espera a conchaQue cochicha só, bivalve esquartejada,Que cochila só no seu ofício de esperar
14/10/2007
NOITE
Nuvens cinza na janelaPassam.Um morcego grita e a parede responde.As telhas mal-emparelhadas resmungamSobre os caibros e os cérebros que também resmungam,E as paredes, e os morcegos, e as nuvens,Todos resmungam.Assim vive a madrugadaSem sono ressonante: tudo resmunga.
29/09/2007
29/09/2007
MONTAR-TE
Montar-te peça por peçaE de cada tijolo untar de alma os espaços vazios.Montar-te muro, quintal e alpendre,Escadas e salões,Entradas e saídas,Montar-te os espaços inúteisOnde o sol preguiçoso asperge de mormaço e modorra as reentrâncias repletas da desocupação que se instala junto a cada tijolo assentado, a cada gota de suor amalgamada ao reboco mole que espera a maduração seca da areia do tempo.Montar-te feia, montar-te torta e desajeitada,Derrubar-te propositalmente em certos pontos,Fazer-te monturos de teus restos e empilhamentos de arestas arrancadas.Deixar-te as portas em falso;Colar-te mal os azulejos, anarquizar-te os mosaicos de abáculos desiguais;Caotizar-te;Enlabirintar-te;Desdimensionar-te;Montar-te o desmontar-te.Depois, quando tuas peças de montagem, teus tijolos, teus ladrilhos e porcelanas, teus caibros, teus rodapés, teu chão, teu teto, teu preenchido e teu vazio, teu inespaço,Quando tuEstiveres montada,Morar-te.Mas morar-te do lado de fora.À entrada.Vigiando-te.
18/10/2007
18/10/2007
O IMPOSSÍVEL CARINHO
De manhã na pele, sob as camadas
Intactas dos toques do mundo,
Quando as vias enredadas do sangue doce e férreo
Expandem-se ante pulsos descomprimidos, exortizações lentas
E encarrilamentos e descarrilamentos sincopados e preguiçosos,
Nessa manhã que raia epitelial, venal, capilar, sensorial,
Nessa manhã que geme felina nas células musculares,
Nessa manhã que se encaixa articular, óssea, glandular,
Nessa manhã que grita baixo, quase silente, suas castanhas untadas do grosso mel da vida, o mel que encrespa os olhos e inunda o sexo, e, com ele amalgamada, serve de cimento verde, azul e rosa para os primeiros pensamentos,
Nessa manhã de parto da terra,
Pensei em ti, em tuas mãos, em teus olhos e quadris,
Em tua concha recuada, em teus peitos de manga tímida e doce,
Em tua boca tão cheia de sorrisos e tão vazia de mim,
Pensei em ti toda
E em tua toda ausência e em tua toda presença
E em teu impossível carinho.
07/11/2007
Intactas dos toques do mundo,
Quando as vias enredadas do sangue doce e férreo
Expandem-se ante pulsos descomprimidos, exortizações lentas
E encarrilamentos e descarrilamentos sincopados e preguiçosos,
Nessa manhã que raia epitelial, venal, capilar, sensorial,
Nessa manhã que geme felina nas células musculares,
Nessa manhã que se encaixa articular, óssea, glandular,
Nessa manhã que grita baixo, quase silente, suas castanhas untadas do grosso mel da vida, o mel que encrespa os olhos e inunda o sexo, e, com ele amalgamada, serve de cimento verde, azul e rosa para os primeiros pensamentos,
Nessa manhã de parto da terra,
Pensei em ti, em tuas mãos, em teus olhos e quadris,
Em tua concha recuada, em teus peitos de manga tímida e doce,
Em tua boca tão cheia de sorrisos e tão vazia de mim,
Pensei em ti toda
E em tua toda ausência e em tua toda presença
E em teu impossível carinho.
07/11/2007
MADEIRAS E CORDAS
Eu tenho a alma feita de música
Que o peito acústico esconde
Num instrumento delicadíssimo.
Acontece, meu bem,
Que eu não sei tocar.
24/01/2008
TODA AQUELA POESIA
não sei onde estátoda aquelapoesiaia.
agora as linhas não são mais que linhas meio que retas meio que fronteiriças meio que finíssimas espadasalinhadasno nada
e andar no fio da espadacomo fazia sem sentir a poesiasem medo do vermelho do sanguesem medo do melodrama novelescosem medonão dá mais
porque já não sei mais ondepor onde andao que édela
as palavras trapezistasperderam as sapatilhas
as trombetas matinaischamaram o corpo pro descanso do ofíciopor uma última vezque não sei quando foi
mas ficaram as linhas feito fios que se entramam em paralelas e parábolas tortasde poste em poste uma malha de gaiola suspensacomo uma roupa em que falta quase todo o tecido
e nessas linhas me movo, por baixo, ao largo, à margem delasmisturado a tudo, esquecido como tudo, vago, soturno, desespaçadopor aí
feito uma poesia que já não é mais.
10/10/2005
agora as linhas não são mais que linhas meio que retas meio que fronteiriças meio que finíssimas espadasalinhadasno nada
e andar no fio da espadacomo fazia sem sentir a poesiasem medo do vermelho do sanguesem medo do melodrama novelescosem medonão dá mais
porque já não sei mais ondepor onde andao que édela
as palavras trapezistasperderam as sapatilhas
as trombetas matinaischamaram o corpo pro descanso do ofíciopor uma última vezque não sei quando foi
mas ficaram as linhas feito fios que se entramam em paralelas e parábolas tortasde poste em poste uma malha de gaiola suspensacomo uma roupa em que falta quase todo o tecido
e nessas linhas me movo, por baixo, ao largo, à margem delasmisturado a tudo, esquecido como tudo, vago, soturno, desespaçadopor aí
feito uma poesia que já não é mais.
10/10/2005
EXPLICAÇÃO DO POEMA
(A Lílian Calixto, pelo acalanto nas tardes difíceis)
Não escrevo para guardar, já carrego coisa demais.
Escrevo é para matar essa vontade em mim de me livrar de tudo
E desaparecer em paz, como a lembrança do canto de um passarinho.
Eu escrevo porque o passarinho canta.
26/04/2006
ESPANTO
Vim por aqui meio a passeioParto deixando de rastro um pouco rastroSemeio um canteiro de meia palavraNão espero colheita, não espero frase.
Palavra é um acordoEntre mim e ti.Se de minha parte deixo meia,Se faço cena e desapareço,Se agradeço com as mãos num passo floreado,
É que a frase que desejas não cabe na língua,Tampouco nas mãos.
Procura pela frase na pergunta residente no teu espanto.
25/02/2004
Palavra é um acordoEntre mim e ti.Se de minha parte deixo meia,Se faço cena e desapareço,Se agradeço com as mãos num passo floreado,
É que a frase que desejas não cabe na língua,Tampouco nas mãos.
Procura pela frase na pergunta residente no teu espanto.
25/02/2004
NA ESQUINA
I
Na esquina se avermelha um romance entardecenteNo meio da poeira alteada dum moinho de vento.São três da tarde. A mão do namorado entrelaçadaNão quer saber de tempo. Não quer saber de nada.Alguma coisa prenuncia um beijo, talvez tenha sidoO rodopio.Mas o que rodopia é o tempo, girando, sem sair do lugar.
II
Não há os sons dos passos, nem o grunhido dos lamentos,Nem os roncos dos motores, não há.Não há buzinas, não há os chutes na cara intermitentes dos sons automotivos.Não há zumbido nos emaranhados das teias de metal,E os silentes relógios emudecem, suspensos.E tudo se suspende: o asfalto, o concreto feio das calçadas, os postes e as placas,As coxias, a lama podre e os jequitis, e as pessoas desvanecem como através de tijolos de vidro refratário.Um momento passa dormente, cadeias de momentos se perpassamEm carrosséis feitos de instantes, orbitando ilógicos no espaço,Em todos os lugares.O dia se multiplica em uma infinidade de fagulhas de quartzo cor de opala.O sol vira uma lembrança, a gravidade, uma sensação. O ar, a reticência de um perfume.E aquele beijo, aquele beijo… aquele beijo vira uma vida toda num instante que, de tão curto, força para que tudo pare!, e assim ele vive, por aí, pra sempre.
III
O sol joga um acorde de luz na pauta ainda suspensa, deixada pra trás pela chuva de há pouco.O tempo vibra. As três horas arriscam um falsete e o vento arremata a frase numa cascata de pêndulos invisíveis.E, num mote improvisado, um bem-te-vi: bei-je-me…
29/12/04
Na esquina se avermelha um romance entardecenteNo meio da poeira alteada dum moinho de vento.São três da tarde. A mão do namorado entrelaçadaNão quer saber de tempo. Não quer saber de nada.Alguma coisa prenuncia um beijo, talvez tenha sidoO rodopio.Mas o que rodopia é o tempo, girando, sem sair do lugar.
II
Não há os sons dos passos, nem o grunhido dos lamentos,Nem os roncos dos motores, não há.Não há buzinas, não há os chutes na cara intermitentes dos sons automotivos.Não há zumbido nos emaranhados das teias de metal,E os silentes relógios emudecem, suspensos.E tudo se suspende: o asfalto, o concreto feio das calçadas, os postes e as placas,As coxias, a lama podre e os jequitis, e as pessoas desvanecem como através de tijolos de vidro refratário.Um momento passa dormente, cadeias de momentos se perpassamEm carrosséis feitos de instantes, orbitando ilógicos no espaço,Em todos os lugares.O dia se multiplica em uma infinidade de fagulhas de quartzo cor de opala.O sol vira uma lembrança, a gravidade, uma sensação. O ar, a reticência de um perfume.E aquele beijo, aquele beijo… aquele beijo vira uma vida toda num instante que, de tão curto, força para que tudo pare!, e assim ele vive, por aí, pra sempre.
III
O sol joga um acorde de luz na pauta ainda suspensa, deixada pra trás pela chuva de há pouco.O tempo vibra. As três horas arriscam um falsete e o vento arremata a frase numa cascata de pêndulos invisíveis.E, num mote improvisado, um bem-te-vi: bei-je-me…
29/12/04
SEM UMA VÍRGULA SEQUER
Você veio no escuro no meio da noiteEntrou pela porta limpou os pés na soleiraPôs as sandálias sob a escrivaninhaAspirou três vezes e suspirou esvaziando-se todaTirou a roupa os anéis os brincos a vergonhaE veio você sem uma vírgula sequer desse mundo torto.
21/07/2004
21/07/2004
POEMA DE FIM DE TARDE
Incrivelmente a rosaNa corola despetaladaFechada e esquecida na mãoQueimada
Um mural sem sombraSem afrescos, atravessadoNo meio do caminho
Calado
Vista de cima, a cena:A canção suspensa, a metadeEscrita, a outraÉ a tarde
Que vai embora num bater de asasLadra de refrão e temaE melodia e rima e rosaNão rosa, açucena
O meu poema é mundano, meu amor, o meu poema é pé-no-chãoNão voa; sabe mais andarSe ele corre, fogeE ele corre? Não. Ele anda, ele anda…
09/02/2004
Um mural sem sombraSem afrescos, atravessadoNo meio do caminho
Calado
Vista de cima, a cena:A canção suspensa, a metadeEscrita, a outraÉ a tarde
Que vai embora num bater de asasLadra de refrão e temaE melodia e rima e rosaNão rosa, açucena
O meu poema é mundano, meu amor, o meu poema é pé-no-chãoNão voa; sabe mais andarSe ele corre, fogeE ele corre? Não. Ele anda, ele anda…
09/02/2004
CORAÇÃO MEIO DO CÉU, MEIO DO MAR
Tem uma lua lá fora bem no meio do céu.
Ela tá cortada pela metade.
Alguém cortou pra lhe dividir o brilho
E a outra metade tá no leito, junto das pedras, no fundo do mar.
No fundo do mar, bem no meio do mar, bem no meio da noite do mar, na escuridão do mar.
A outra banda da lua brilha…
Será que brilha?
Só lhe sabe a sua outra metade, sozinha, partida, esquartejada, bem no meio do céu.
19/06/03
Ela tá cortada pela metade.
Alguém cortou pra lhe dividir o brilho
E a outra metade tá no leito, junto das pedras, no fundo do mar.
No fundo do mar, bem no meio do mar, bem no meio da noite do mar, na escuridão do mar.
A outra banda da lua brilha…
Será que brilha?
Só lhe sabe a sua outra metade, sozinha, partida, esquartejada, bem no meio do céu.
19/06/03
CORRER ATRÁS DA LUA
Correr atrás da lua
quando eu era criança, quando o mundo era criança, quando a noite era criança…
O mato quebrado nos cantos, tudo claro, tudo cinza-azulado e os cercados da vida ainda não tinham arames farpados.
Correr atrás da lua em disparada e sem olhar para frente.
Qual vento que podia segurar! Qual noite que podia amedrontar!
De companheiros, um primo mais velho e distante e os sapos perguntando: o que foi?
Que importa? Queria alcançar a lua e guardá-la nos braços, como se abraçando um troféu.
Queria abraçar o mundo, queria saltar o mundo, queria ser o mundo!
Às vezes sozinho, era muito raro. Aí, então, era de outro jeito.
Não corria com tanta pressa. Caminhava ao lado da lua.
Já não olhava tanto para ela, sabia que ela estava lá.
Olhava mais para frente. Sentia a frieza do vento e o amedrontado da roupa da noite.
Sentia a presença de tudo sem tocar, sem ver, sem ouvir. Os cheiros gritavam seus significados.
E havia outro cheiro e outro gosto, que se sussurravam em meu peito.
E a cada passo caminhava mais para dentro. Mesmo quando saía do mato.
Cada passo era para dentro, para dentro de mim, para dentro do mundo.
17/05/03
quando eu era criança, quando o mundo era criança, quando a noite era criança…
O mato quebrado nos cantos, tudo claro, tudo cinza-azulado e os cercados da vida ainda não tinham arames farpados.
Correr atrás da lua em disparada e sem olhar para frente.
Qual vento que podia segurar! Qual noite que podia amedrontar!
De companheiros, um primo mais velho e distante e os sapos perguntando: o que foi?
Que importa? Queria alcançar a lua e guardá-la nos braços, como se abraçando um troféu.
Queria abraçar o mundo, queria saltar o mundo, queria ser o mundo!
Às vezes sozinho, era muito raro. Aí, então, era de outro jeito.
Não corria com tanta pressa. Caminhava ao lado da lua.
Já não olhava tanto para ela, sabia que ela estava lá.
Olhava mais para frente. Sentia a frieza do vento e o amedrontado da roupa da noite.
Sentia a presença de tudo sem tocar, sem ver, sem ouvir. Os cheiros gritavam seus significados.
E havia outro cheiro e outro gosto, que se sussurravam em meu peito.
E a cada passo caminhava mais para dentro. Mesmo quando saía do mato.
Cada passo era para dentro, para dentro de mim, para dentro do mundo.
17/05/03
DENTRO DA NOITE
Noite afora, as horas rezam caladas nos ponteiros e na alma.Quando o sono vence o combate, o corpo, esgueirado entre a noite já ida,Sussurra e se rende sossegado, lânguido, suspirado.
No céu, ainda alguns vultos e estrelas. Tu contas as que caem.Ao meu lado, partículas da noite ainda gemem e suam e se dobram e se unemOnde há pouco houve inteira essa mesma noite.
Se estico o braço, ainda toco e sinto o calor que nela deixamos.Em teu seio mora aconchegado o som morno do nosso cansaço.
Em teu olhar — esse olhar de gengibre, tão vivo e tão terno —Se estampa a entrega do meu:Um beijo que continua o beijo,Ao que me cobre a nudez com que teu olhar me despe.
Em minha boca, o teu gosto doce, amargo, salgado, forte, renitente.E nela, ainda um mesmo beijo continua o beijo dado.
Dentro dessa noite fizemos nascer um calor solarQue aquece todo o espaço frio entre nós e as tantas outras estrelasQue, em suas constelações, nos observam placidamente adormecer.
E raiam como nósE brilham como nós.
03/08/2002
No céu, ainda alguns vultos e estrelas. Tu contas as que caem.Ao meu lado, partículas da noite ainda gemem e suam e se dobram e se unemOnde há pouco houve inteira essa mesma noite.
Se estico o braço, ainda toco e sinto o calor que nela deixamos.Em teu seio mora aconchegado o som morno do nosso cansaço.
Em teu olhar — esse olhar de gengibre, tão vivo e tão terno —Se estampa a entrega do meu:Um beijo que continua o beijo,Ao que me cobre a nudez com que teu olhar me despe.
Em minha boca, o teu gosto doce, amargo, salgado, forte, renitente.E nela, ainda um mesmo beijo continua o beijo dado.
Dentro dessa noite fizemos nascer um calor solarQue aquece todo o espaço frio entre nós e as tantas outras estrelasQue, em suas constelações, nos observam placidamente adormecer.
E raiam como nósE brilham como nós.
03/08/2002
SONHOS NO FUNDO DO RIO
A menina jogou uma rosa na águaE disse: “vai e me traz o meu amor”, pobrezinha.Se fosse uma florzinha dessas de mato, impregnadas de vida,Ou um aguapé,Ou um mal-me-quer, ou um lírio, mas uma rosa…As rosas são para sonhos, as rosas não sabem nadar.
Contemplou a redonda e branca flor que boiava (a lua)E sonhou.Um sonho cheio de rosas,Muito acima de qualquer profundidade.E no fundo do rio, a rosa, adormecida.
01/04/2000
Contemplou a redonda e branca flor que boiava (a lua)E sonhou.Um sonho cheio de rosas,Muito acima de qualquer profundidade.E no fundo do rio, a rosa, adormecida.
01/04/2000
COISA BOA
coisa boa é fruta doceágua docebeijo docecoisa boa é amar sem propósito o que não tem passado nem futurosem o engajo da aventura, sem o enlevo da primaveracoisa boa é amar sem saber que amae assim ser amado, sem percebercoisa boa é fruta doce, que se come sob o péna sombra morna das três horas da tarde de cidade do interiorcoisa boa é abraço fora de hora e beijo fora de modamas beijo doce, sem tempo de terminar
22/01/2000
22/01/2000
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