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quarta-feira, 3 de abril de 2024

VALE SECO

tempo,
não arraste aqui as suas águas
represadas de décadas.
houve motivo para as rochas,
as árvores e o entulho,

e não lhe cabe legislar
sobre quem não lhe deseja o fluxo,
a torrente
ou a seca.

não umedeça quem quer a boca seca,
não afogue quem não sabe nadar,
não banhe
quem quer a sujeira plástica do mundo.

fique parado,
evole-se, acumule-se no céu
das mocinhas chorosas
e chore sobre quem lhe deseja
alguma precipitação,

mas não venha molhar os pés
que escolheram as profundezas da terra
para dormir.

pare, tempo,
e grave no relógio de pontos
o instante exato em que a sede
parou de lhe ter necessidade,

o momento preciso
em que a vida estancou,
para que me fiquem claras na memória
a duração
e a partida,

e eu possa me presenciar,
inerme e seguro,
inalcançável às marés
e aos pântanos
que são tão de sua natureza infligir.

deixe meus olhos assim,
esvaziados,
e poderei saber em mim
de todas as partes,
sem o temor do naufrágio
e o enjoo do bordejo.

deixe-me, tempo,
que preciso sacar-me de todas as horas.
há de se fazer o silêncio
de suas correntes
para que eu me liberte
e seja terra firme, afinal.

30/03/24

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