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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

PROCISSÃO

 
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Deixa, que o andor é só,
E a rotina da fé remonta a feras uivando
A luas inatingíveis.
Em cima, a Santa emburguesada
Transvê o óbvio dos mantos piedosos:
A litania enriquece os pobres
Nos fictícios bolsos d’alma,
Mas nus estão, e sem pele estão,
E seus ossos nervados e finos
Palitam os dentes de Deus.
Seja fome, seja qualquer outra ausência,
É preciso mantê-la como a natureza dos cães,
Sempre gregária, sempre coletiva, sempre identitária,
Sempre grata da dadivosa natureza de Deus.
A Santa, mulher, mãe virgem,
Virgem como as que se afunilam nos becos dos homens
Por promessas de carne e sal,
A Santa plange, punge, picota o coração
Das mãos encambadas nas cordas do andor,
Rasgadas em ripas de carnaúba,
Desunhadas de cimentos e flagelos
Que se acumulam nos ofertórios
E nos bolsos dos escultores de ex-votos.
Acima de todos, a Nave alçante de arribações,
Nas pontinhas das tamancas, apontando um Céu
Dos missais dos noviços
E dos brocados das casas-grandes:
O destino sempre intermediário,
Porém berço e túmulo de todas as empreitadas.
Nela, clímax e catarse fundem-se
Na maravilhosa e monotonal sentença
De que nada foi, nem é, nem será suficiente
Para a dignidade das almas.
E são todas almas indignas apesar de tudo,
E ninguém parte sem pagar o dízimo ao barqueiro
Atado à própria canoa de dois paus apenas
Pela tríade romana de pregos.
Assim, partem todos:
Crucificados, encruzados, persignados
E resignados
Pela glória e graça do teatro ruidoso
De ser autor, ator e plateia da própria tragédia,
Que nunca basta
E nunca acaba.

14/08/19

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