(Poeminha inspirado por http://bekxavier.blogspot.com/2010/09/liberdade-clandestina.html)
A memória é um dente de leite sobre o telhado,
lá jogado
pelo cadáver de quem somos.
Recordar é puxar novamente a cordinha,
é maltratar a gengiva,
é abrir e fechar a porta da geladeira,
é morder com força os nós dos dedos.
Recordar
é gemer por dentro e sangrar de mentirinha
sobre a toalha de mesa feiinha,
feiíssima,
sujando a camisa mal abotoada
em cujos bolsos jazem crus papéis desencontrados
(cédulas, notas fiscais, anotações do momento presente
que, como uma máquina de engrenagens,
engrimpa entravado por eles).
A memória é um latido
(porque todos os latidos do passado são iguais)
de um cão que afagamos
sobre os pelos de nossos antebraços.
A memória é a esquecida luz acesa
que nos viajou
e não nos trouxe de volta nunca mais.
A memória é o extravio da alma
quando não estávamos suficientemente atentos para viver,
pois que viver é existir, e existir é estar consciente,
e estar consciente é não lembrar.
27/09/10