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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A MÁSCARA DE APOLO



A noite me agrada porque nela é tudo muito simples.
Não há luzes que me iludam: o céu tem a cor dele, a lua aparece, e as estrelas.
É, e as estrelas…
É simples olhar para elas, pois o que elas são é simples,
como são simples os estilhaços de sol poente — tão diferente de suas irmãs… — na epiderme do mar,
em seu instante mais terno, menos apolíneo:
quando a verdadeira cor das coisas e das pessoas começa a resplandecer
e encher de negro o néon da vida,
mas desse negro de que são feitos os olhos de minha filha,
os cabelos de minha esposa,
o silêncio de meu filho,
a história de minha pele.
O negro transliterado de uma continuidade, de um complexo fio
tramado entre os sons, as pessoas, as palavras e as almas, ligando-os.
Os traços de impessoalidade deixam ao dia o seu anonimato:
somos o que somos somente à noite.
Aquele, intransigente, retira de seu sítio mais íntimo o seu livro de diálogos perdidos e o reexamina escolarmente;
aquela, promíscua, cofia de seus cabelos as imundícies lascivas e se entrega mulher, pura, inteira, a seu homem;
aquele, em mangas de camisa, testosterônico, dança em seus olhos bailes de gala de valsas casticíssimas;
aquelezinho, empedernido em sua resignação humilde ao fel da vida, muda a essência inteira do mundo, dando boa-noite a seu cão;
aqueloutra, doidivanas, sorri pudica diante da ternura pueril de seu pescoço de fêmea;
aquela uma, sem que o nunca lhe houvessem dado, dá de si o mais belo dos sorrisos de “agradecida, senhor” ao lixeiro surdo;
aquele, estroina, olha cheio de amor desesperado o filho, com o pavor absurdo dos que não lhes querem pares de seu futuro;
aquela, burguesa de passamanes de ouro, despe-se da própria pele e se examina só, encastelada em sua tão total ausência;
todos, andrajosos dentro de suas singelezas, cirzem suas verdades
— a única pele que a noite exige, essa noite sem luzes falsas, sem vapores incandescentes de sódio.
Eu, acordado ainda por faróis, desses que salvam navios;
porém eles dormem
como se as máscaras pudessem sonhar os foliões
e os sonhassem.

21/12/11

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