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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ESPAÇOS


A casa ficou maior, e tenho medo
— desses medos físicos —
de perder-me nos cantos, nos vãos que, até agora, desconhecia.
Imagino que crescer do jeito certo seja sobrepujar o espaço que te dão
com o que adéquas ao teu tamanho.
Não sou grande, nunca fui.
Contudo, sim, aumentei o meu espaço.
Enormemente.
Carpi veredas por dentro das capoeiras,
edifiquei pontes, escavei túneis,
pavimentei de sulcos fundíssimos dos sentimentos mais originais
a carne da minha terra,
tudo para que eu coubesse finalmente
numa pátria que reconhecesse
e onde, à noite, não me espantassem as trevas de lugares onde eu não houvesse.
Cresci como um câncer: explodindo e irradiando.
Como um câncer, nunca vi a luz do dia.
Ao meu redor, o Mundo, que me esperava — eu, amedrontado de ter úlceras —,
acolheu selvagem todos, de dentes e garras expostos,
ao passo que eu passava enviesado pelas frestas, entre um canino e um incisivo,
e emaranhava-me com minhas próprias raízes,
e entrava fundo em minha própria terra, de que aprendi a ser telúrico.

Tentara-me o Mundo fazer gente, das que proliferam em shoppings, boates, teatros,
das que superlotam estreias
e manifestam bens-comuns salpicados de vitórias romanas.
Não houve jeito.
Estou fatalmente e para sempre preso ao que me liberta,
ainda que me flagele dentro de ônibus e salas,
oculte-me de olhares — aos quais respondo mentalmente “não estou aqui” —,
e esmoreça paciente à gula do tempo,
sentado sob as mangueiras mortas e assombradas de minha infância.
Não me entrego.
Não pertenço ao que não sou,
não vivo onde não me hei morto e renascido,
seiva desentranhada da terra correndo branca nos folíolos que meu próprio hálito cuida de balançar
e de carregar de volta a mim, que absorvo e revivo.

Porém, angustia-me ainda o tamanho da casa, das pessoas que cresceram do jeito certo, do Mundo.
Ainda sinto o desejo infantil de saltar o gradil da entrada
que faz o limite entre o que sou e o que deveria haver sido.
Olho pelas janelas ocultas para a noite que começou há dois dias
e ainda prenuncia chuva
e desejo-a.
Como desejava visitantes ao berço de minhas palavras
quando elas tinham por quem nascer.
Cresceram. Algumas voaram, outras pastam bovinamente indolentes ao meu redor.
A maioria virou flores, matas, florestas,
produtoras das cores e do oxigênio daqui.

Algumas — as menos minhas — se aventuram
cheias de dentes e intestinos sobre os móveis, os carros e as pessoas porta afora,
dilacerando seus nomes, engolindo seus sentidos.
Observo-as com a adivinhação míope de sabê-las maiores,
bem maiores que eu, com sua fome de Mundo…
Uma vez lá, será que ecoarão de volta?

16/11/11

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