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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

NASCER E SER REFLEXO


Preciso renovar minha fé nos ícones. Acabo de me pegar precisando de uma crença idolátrica, de um bezerro de ouro… qualquer coisa meramente material. O que é a existência de uma matéria sem estado físico? Sim, matéria sim, minha fé é matéria… O objeto dela é matéria. Mais que eu.
Nascer deveria ser para poucos. Não porque se faz o milagre. Nem porque somos muitos. Nascer deveria ser para poucos porque, de onde vimos, deve haver a vontade de não vir, vontade revertida em morte na pedra, no sal. O que há nessas pré-entidades não é a inanimação material: é o retrocesso da vontade. De onde vimos, não há que haver vontade nenhuma. Lá, somos simples, terrenais, mais que aqui, porque aqui o sabemos. Nascer deve ser, não tenho certeza, mas deve ser a vingança de Adão, ao retirar do Paraíso todos os seus filhos, porque são seus, e não d'Ele. Dessa perspectiva, nascer é explodir ao contrário, quer dizer, é reificar-se, é ordenar ultrajantemente o caos perfeito, é sujeitar-se, é submeter-se. É capturar-se a alma em um espelhinho de mão vagabundo, que se trocou pela filigrana fluida nos rios livres e selvagens pré-coloniais. O reflexo determina o refletido por influenciar-lhe a vergonha de perceber-se, dizem. E o que somos, quando nos damos conta do que éramos — de um nunca-mais sem jeito —, quando a matéria do corpo não nos serve mais, quando se percebe a argila como a vil continente da água que aprisiona?
Ontem, procurei um bom-dia que desse a uma dessas obrigações diárias com os vizinhos, registros vivos e aferidores comportamentais de minha sociabilização. Apático, não achei um que desse. Tranquei os cadeados do portão sem me dar deles (já são tantos cadeados…) e me fiz aos rios negros das ruas e das avenidas, até que a amarelidão urbana das lâmpadas de sódio anunciasse a hora de voltar. O poste defronte parece comigo: sustenta fios, não tem luz. À noite, assemelha-se a uma imagem de andor, patinada, envelhecida, de aparência curvada, inane, repleta da fuligem da vida… Na ausência de luz, oferendo-lhe insone meu sono, e ambos vigiamos para que a aurora não nos colha a lágrima seca de nossa liturgia.

08/09/11

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