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quarta-feira, 24 de maio de 2017

PAPEL DE PÃO

Por acaso
há quem goste de acaso?
No fortuito encontro no ônibus,
no encontrão de desencontros,
encontram-me a mim, que tanta força faço
por ser perdido...
Dão-me sorrisos expectantes, cheios de minha ausência,
junto aos quais me dão a obrigação de preenchê-la,
o encargo pesadíssimo de continuar sendo quem fui,
mas já nem lembro!
Nomes soltos num rodamoinho,
rostos-fantasmas num malassombro de esquecimento,
e eu, ali, vivíssimo na expectativa da resposta onde nunca estive,
e eu, cá, contorcido como um cágado sem o luxo de seu casco
— cascos que funcionem são artigos preciosíssimos!

Odeio obrigações.
A pior de todas é a de situacionar as circunstâncias,
pois tudo que não é o que há de silêncio maciço e fulgurante,
tudo que não me enverga o arco da poesia
é circunstância!
— mas não me entendam mal:
colho muito trigo no chão ordinário e rotineiro e comum
que vira pão neste papel.
O papel da circunstância é o mesmo da visão periférica:
evitar a monomania de uma vida de tiro ao alvo,
ainda que este seja uma tatuagem no peito.

Não posso suportar a obrigação
de ter meu silêncio roubado.
Não planejei, não desejei o compromisso de me tornar palavras.
A palavra é a roupa pesada no dia quente da contemplação,
e é tempo de naturismos semióticos.

Encontrar é verbo consecutivo:
é ação deflagrada por outra.
Para haver felicidade no encontro,
há que se, primeiro, procurar,
caso contrário como reconhecerei o achado?
Porém, principalmente,
como serei eu mesmo reconhecido?

24/05/17

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