Número de sílabas (desde 11/2008)

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domingo, 27 de março de 2016

AMOR

Acho que amo melhor de longe.
De perto, a mulher real atrapalha a imaginada.
Amar direito me parece ser possível
apenas em quadros, músicas e poemas,
lugares onde a vida não nos alcança e somos amorfos,
unívocos em nossas constantes transformações.

Amar não cabe nem no corpo nem na palavra.
É muito para sílabas, ainda que caiba na vogal
de um grito
ou de um gemido.

27/03/16

CANTEIRO DE OBRAS

Huub Keulers - Old Tools
(Clique na imagem para ampliá-la e no nome do artista, para acessar sua página) 

Tentar escrever com os sentidos desatentos ao que é interno,
ao que só pode ser transcrito por meio de um estado isolado, insular,
clandestino,
ilegal no que diz respeito às relações humanas,
é apelar para a memória muscular do espírito
e esperar que ele vença a camisa de força do cimento da razão.

Para o caso de ser frustrado pela solidez do jazigo,
escrevo com marretas e pás,
ainda que me sangrem mãos e palavras
e que o braile resultante dos golpes seja o que grite no papel.

Antes o grito tátil que uma mudez mumificada.

27/03/16

O TEMPO DE AMAR

Rakotz Brücke, Alemanha
(Clique na imagem para ampliá-la)

Se eu tivesse todo o tempo de amar
E se amar me fosse dado,
Não amaria.
Amar não é pra quem tem tempo pra amar.
Amar é coisa tão marginal na vida
Que quem ama tem de roubar do seu tempo de vida
O tempo de amar
E sair metendo o pé na carreira
Com o coração pinotando de medo e euforia
E o ser amado debaixo do braço.

Amar não é pra gente limpinha de pezinho rosa
Nem pras clausuras dos cleros do Altíssimo.
Não amam quem nunca soube o que é chafurdar na lama
Da incompreensão e do ciúme
Nem os que simplesmente se entregam em voos suicidas.

Amar é não saber sequer o que é amar
E amar escondido, com medo de que alguém lhe diga
Que amar é outra coisa.
Amar não é outra coisa nem coisa nenhuma: é ponte entre nada e lugar nenhum
Sobre um rio de almas penadas.

29/12/15