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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ÍNSULA

Saliara (Praia de Mármore) - Ilha de Thassos
(Clique na imagem para ampliá-la.)

(Para Carmélia Aragão, que me sabe sem que eu diga)

Às vezes, o amor e a amizade têm seu próprio tempo,
como uma ilha tem uma noção diferente de mar.
E tudo que vem é onda e vento e sargaço e salsugem
— marulhos de outras vidas, destroços bordejantes
e a certeza de que tudo que não está ali
é passagem sem adeuses.
É só no amor que se realmente é livre para se estar só.

27/11/15

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

SÓ SAUDADE


“Pessoas vivem todas muito com desgostos e a tentar esquecer coisas. Eu penso que a vida é muito curta e que não se pode esquecer nada. (…) Parece que há um despojamento existencial que perpassa essa comunidade da língua portuguesa que tem a ver com a possibilidade de lidar com pessoas que se dispõem à alegria e à tristeza. (…) O mal d'amor, na nossa sociedade (…) da língua portuguesa, é uma coisa que o indivíduo tolera, e chegamos então a essa chave extraordinária da vida, que é a saudade, essa ideia de saudade, que é essa autorização que conferimos a nós próprios para ficar tristes se tivermos razões para isso.”
Pedro Ayres Magalhães, in Língua - Vidas em português, 2002

Hoje, sou todo saudade. Daquela das boas. Saudade de amigos e de inimigos. Saudade que não rima com amplidão, mas é com ela de mãos dadas. Saudade que é só bondade com tudo e com todos. Meus amigos, meus caros amigos, se vocês todos soubessem o quanto me enche o coração de paz lembrar-me de vocês e querer-lhes bem, querer-lhes vinicianamente…
Os longes do mundo e a miopia da alma, que tem os olhos sujos da fuligem das horas, não desfazem a mesa posta e a cerveja gelada, a música e a poesia, as confidências e as brutalidades deste coração de paredes grossas, tão sincopado no sambinha da memória de nossas noites espalhadas por aí, feito vira-latas, desfeitas pelas manhãs como chuva em ladeira.
Sinto falta de todos, porque sinto falta de mim com vocês. Evoco em fotografias, músicas, poemas, souvenires que a mudança esqueceu nas gavetas, rimas de meu nome, ainda que o verso tenha quebrado o pé… Deslizo o disco na agulha, e as ranhuras me cantam. Meus ouvidos se enchem do que transbordamos. Um livro com poemas do Bandeira vertidos para o espanhol, um porta-uísque, duas bolas de sinuca, um chaveiro, uma camiseta velha, tudo é saudade. Tudo sou eu, e vocês estão por toda parte.
Saibam disto, meus amigos: não há saudade maior que a que deita no peito misantropo, nem mais dolente. Solto sem medo meus borrachos no céu das possibilidades, que são todas fecundas de destinatários. Minhas cartas, se não chegarem, desenharão para que todos vejam os traços líquidos de minha escrita de chuva, torta e enviesada, mas carregadinha do sereno da memória: aqui, não estia; plantei-os em canteiros que deram ervas com que tempero meus pratos todo dia, e são todos deliciosos.

06/11/15