Número de sílabas (desde 11/2008)

counter

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

TRÊS IRMÃS

Num dia de festa em meu coração,
o Amor se casou com a Tristeza,
a qual pariu nas águas três filhas:
a Saudade, diplomata inata, sempre a mediar
os estertores da mãe com os afagos do pai;
a Melancolia, que herdou da mãe a cáustica
e inabalável certeza de sua avó, a Morte,
ainda que, da Vida, mãe de seu pai,
transviara o embornal da esperança;
e a Ternura, moça muito quieta, morena,
destoante da brancura das irmãs,
que levava os dias cosendo-lhes roupas
para o frio que suavam e lhes queimava a pele.

Todas amavam os homens.
A Saudade queria-os para si, possessiva e extenuante,
e roubava-lhes o coração com as armas mais feminis,
ao que lhes depositava em troca no peito,
a fim de confundi-los,
um labirinto de nomes mortos
que lhes soprava aos ouvidos
como se vivos estivessem.
Não sabia nada além disso,
atrapalhada que fora pela mãe
quanto aos ensinamentos de seu pai.

A Melancolia, esguia, quase esquálida como a avó materna,
vivia para tê-los na cama, chupar-lhes o sangue pelos poros
em beijos firmes, como lhe ensinara a mãe,
atada à crença de que tudo é consumição.
Ardia gélida no coração dos homens
e invernava-lhes tudo o que era verão,
temendo perdê-los por não lhes saber
os verdadeiros desejos.

A terceira, mais jovem, não tinha pressa
e fazia-se rara nos salões.
Não carecia dos homens nem, muito menos, procurava-os,
o que a fizera quase desconhecida por eles.
Vira muito na mãe a ausência de corpo e alma
que semeava nos campos dos sonhos humanos,
sua matéria-prima preferida.
Porém, amava-os, mas não perdida como as irmãs.
Era-lhes devota. Cultuava-os.
Conhecia seus desejos, onde não se intrometia.
Sabia-lhes a força, a fraqueza e a necessidade:
a necessidade, acima de tudo.

Aparecia entre eles sempre com simplicidade
e se doía muito quando ignorada,
o que lhe deixava a morenice ainda mais bela.
O pai lhe dera a imensa capacidade da paciência,
temperada que fora pela teimosia da mãe.
A Ternura era a única das três que não desistia dos homens.
Logo essa, que era sua principal virtude,
fazia acharem-na tola, tíbia,
maternal demais para ser amante.
Os homens não sabiam nada de seu pai.
Não entendiam a intensidade de sua febre
nem as chamas de seu sexo.

Aos olhos dos homens, era infantil
como quem dá seu tempo a um gato
ou põe guarda-sóis sobre roseiras.
Era a menor das três.
Não era sólida nem tinha a onipresença da Saudade
nem era elegante ou vaporosa como a Melancolia.
A Ternura destoava daquilo a que se acostumaram os homens.

Conheci todos, cortejei todos.
O pai ensinou-me a coexistir com a mãe,
que me serviu de amante por muito tempo.
Deitei-me com as duas mais velhas,
que me levaram alguns anos de vida e saúde
e me deram nada além de frio e arritmias,
memórias com que me cortejam de volta até hoje.
Porém, veio-me cedo, de contrabando,
oculta num peixe pescado, num livro lido,
numa noite, entre as estrelas, num desenho feito
com lápis de cor,
no sorriso mais lindo,
a mais jovem.

Por causa dela, sorrio
e me faço entender com os olhos.
Nunca me deu nem me tirou nada;
apenas, com a mão estendida,
conduziu-me até a água onde nasceu
e me deixou ali também, finalmente, nascer.
Abraçou-me sem desejo de posse,
e nunca em minha vida me senti mais querido.
Hoje, vive comigo,
aparando-me as unhas e cerzindo-me as meias.
Beija-me bons-dias, mesmo sendo noite em toda parte,
e ferve águas para meus pés cansados,
quebrados pelas outras mulheres da família.
Quando a desejo, ela sorri
e se deixa amar,
única semelhança que observo herdada de sua mãe,
mas, ao contrário desta, cuja ausência me continha,
deixa-me esvaziar-me, como eu sempre quis,
no gozo da mais absoluta liberdade.

01/09/15

Nenhum comentário: