Número de sílabas (desde 11/2008)

counter

segunda-feira, 22 de junho de 2015

JANTAR


— Minha filha, que queres de entrada?
— Uma saída…

22/06/15

DESEMBARQUE

(Clique na foto para ampliá-la e no nome do artista, para acessar sua página)

Deixar, leixar, desleixar, desdeixar…
Eu me desleixei de ti
e não posso te desdeixar.

Se volto atrás e te desabandono
(não sou mais dono),
sou despartida, sou desnavio, sou desmar…

Se fui, fui solto,
mas, se deixei, sou descarnar
de alma em corpo presente,
um pingente sem colar.

Deixa o mar conter o porto,
que meu norte foi navegar.

22/06/15

ABLAÇÃO


Deixa o espaço entre ti e a outra em paz.
Não o molestes, não dialogues com ele.
Há mais ali que houvera
quando éreis juntos, e isso não é para que meças ou compares,
que hoje e ontem nunca foram teus
para que legisles.

Simplesmente, reconhece-o.
Como se contempla um abismo, como se olha para um céu.
Não te dês arrojos de Ícaro.
O teu labirinto é que é sagrado.

Escapa de ti, o teu labirinto.
Empareda-se de veias e lágrimas,
curva e ilude, irrompe e eclode numa saída
que nem sonhas.

Deixa o teu mistério em paz, homem,
que tirar e dar-ta é a própria razão de ser
do espaço entre ti
e a outra.

22/06/15

quarta-feira, 10 de junho de 2015

VINGANÇA

(Para Ana Virgínia Torres, que, como eu, traz punhos cerrados e dentes trincados)

O problema da arte
É que ela é em toda parte,
Enquanto se é só um,
E um só não basta.
Fosse uma a arte
E tivesse corpo,
Dar-lhe-ia na cara
De tirar sangue
Até ela ficar parecida comigo
E lhe diria:
Estamos quites, minha cara.

10\06\15

sábado, 6 de junho de 2015

O OUTRO MUNDO

De tanto existir, eis o mundo:
teu espaço preso entre as hastes dos óculos.
Não vingou; não espasmou e morreu; não fugiu.
Fingiu, contudo.

Nele, cresceram coisas que não vistes:
árvores e gentes sem ti.
E tudo que foi sem ti vingou, fugiu, espasmou e morreu; só não fingiu.

Por isso, não soubeste do mundo, do verdadeiro mundo,
livre, fugidio
e inchado, pleno, repleto da ausência de ti:
tudo que não foste te espreita
porque, somente sem ti, existe
e perde-se.

Ao teu redor, amontam sinais, pegadas:
um vestido vermelho, um salto espacate,
todos desaparecidos quando chegaste.

Ali houve um tropel; mais lá, pés macios.
Tudo, rastros de um presente entalhado no chão,
marcas de um tempo agora,
embora pretérito sempre para ti,
sempre quando estás.

De tanto existir, o teu mundo vítreo e opacento
escondeu-te tudo
que sempre estivera lá, à espreita,
a ver se o verias, finalmente.

06\06\15

terça-feira, 2 de junho de 2015

CHEIRO

Cheiro de café e das manhãs em que fui feito
Cheiro de mato e de bosta de vaca
Cheiro de mar, cheiro de peixe
E do sargaço branco na pele
Cheiro de sol na pele
Cheiro de sabão e alvejante
Cheiro de flor de laranjeira (mas não qualquer, de outros quintais; a que nasceu todos os dias de sua vida por mim)
Cheiro de manga-rosa-espada-tamaracá, da honesta, porém mais, muito mais da roubada das freiras
Cheiro de jambo, de chuva, de reboco molhado
Cheiro de castanhola e de jasmim salvando o pátio dos eucaliptos
Cheiro de pano limpo
De casa limpa, de chão encerado, de pão
Cheiro de cheiro-verde, de chão, de horta
De baião e peixe frito
Cheiro de desenvelhecer os olhos
E de amanheceres

02\06\15