Número de sílabas (desde 11/2008)

counter

quinta-feira, 26 de março de 2015

VOYEUSE

(Para Mariana Nascimento, voyeuse urbana e dona de olhos que regam olhos)

O artista, baby, sofre de uma maledibênção
que lhe deixa vulneráveis os olhos
àquilo a que os outros olhos são cegos,
e está fadado a passar a vida
regando com sua arte
o agreste de todos os olhos do mundo.
Justo ele, que irrompeu da mais improvável castanha
e vingou-se cajueiro de terra seca,
justo ele, que bebe o pó dos nitratos,
que escava a escuridão com  unhas de raiz,
é a quem cabe dar o caju mais doce,
caju que deita o sangue arrancado do sertão
na boca insossa e cega que sequer sabe
o gosto amarelo da luz e o cheiro vermelho do sol.
O artista é uma lágrima que arde sal,
mas chora chuva,
e deixa a vida viver nos olhos dos outros
as flores que só ele vê.
Assim, baby, é que devem ser os seus olhos:
voyeurs que dispam as ruas, os gatos, as gentes
e redigam-nos com as roupas de ruivos ornatos
e rendas brancas
que são a sua própria pele, que o chão fez casca
e que veste a seiva que lhe enche os frutos.
Assim, quando eles olharem,
a objetiva será como uma bandeja oferecida de cajus,
doces e agrestes como convém à carne
de qualquer arte que trague o seu chão
e exulte-o em frutos.

26\03\15

Nenhum comentário: