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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

METÁSTASE

Barra do Rio Pacoti - Ceará

Minha casa cresceu.
Hoje, é mais de duas vezes a casa em que eu nasci,
e somos menos da metade da família
dos incipientes 1974.
Porém, era maior. Como era vasta, como era rica!
A cama em que fui feito tinha dimensões insulares.
Hoje, mal me comporta
— é bote salva-vidas de dois náufragos.
Minha sala, território outrora hostil, mudou.
Hostil agora é a rua, cheia do mundo que inventara
e cresceu não como um corpo metafísico,
mas como um câncer, um cancro, um caranguejo
mais horrendo que os que pescava no Rio Pacoti,
quando o mar que matou meu primo
e ele — o Rio — e eu éramos a mesma coisa:
o encontro em que as coisas proliferam,
o mangue, o búzio e a onda, a maré e o peixe,
e eu e meu grande e verdadeiro mundo.

Sempre fui mais da cozinha que da sala.
O café, o peixe, a laranja-da-terra,
tudo era a ela que me levava.
Deve ser desses ecos de quando era espírito
e habitava pretas ou índias que existiam na fumaça
que jogava vapor na vida colonial e azeda das salas.
Hoje me parece pouca a comida, mesmo sendo mais e diferente.
O sabor verdadeiro é só memória,
e o asso no peito,
num fogão azul de boca preta.

Fazia vento.
O sol era bom e peneirava-se nas telhas erráticas.
A chuva existia em seus dias de existir,
e guardava-nos de não sermos quem não deveríamos
— as goteiras nos lembravam.
Hoje, mesmo quando chove e venta, o que é raro,
pois não só a casa como o mundo cresceram
e empurram o céu como o pus empurra a pele,
tudo parece insuportavelmente incômodo
como um ardor que não sai com sombra.
Hoje até o Sol cresceu,
e brilha porque é sol,
e esqueceu-se de fazer crescerem plantas, sonhos e gentes,
e, porque é sol, não mais aquece — queima.

Minha casa, tão rica, tão pobre!
Portas azuis, janelas abertas, entrecruzes nos entalhes,
pessoas passando, dias de festa, anos-novos, lar e porto.
Hoje é caixa de tijolos que guarda esqueletos de cães enterrados no quintal
e almas limosas, úmidas,
e um pântano de lágrimas que não foram choradas.
Talvez porque, dizem, os olhos não crescem com o tempo
— mas fecham-se com ele,
e olhos fechados não choram.

16/02/15

Um comentário:

Rebeca Xavier disse...

Sinto algo assim com relação às palavras não ditas e as brigas não travadas e a porta do meu quarto sendo escancarada.