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domingo, 2 de fevereiro de 2014

A PORRA DA HISTÓRIA DOS ÍNDIOS DO CEARÁ

Foto: Waleska Santiago, em Fundação Nacional do Índio - FUNAI

Pessoal, hoje, após mais uma teste de admissão para as Casas de Cultura, eu entrei na página do Facebook e me deparei com a seguinte postagem: Na prova da Casa de Cultura eu aprendi que eu preciso saber a porra da história dos índios do Ceará pra poder aprender inglês! (sic).



Levando em conta a repercussão negativa que ela causou, incluindo a criação de memes, eu temi que tanto a postagem quanto os comentários fossem excluídos, logo decidi reproduzir novamente na página das Casas apenas os meus, pois acho que a discussão sobre o tema é interessante. Aqui vão:
“Agora me deu uma mistura de preguiça com tristeza. Talvez a culpa seja do modelo de ensino, talvez seja o distanciamento cultural do o objeto de estudo em questão (a CULTURA dos índios do Ceará), talvez seja o enfado natural do candidato diante de uma prova... São muitos talvezes. Porém, temos uma certeza: a PORRA da história dos índios figurou mais uma vez na história dos indivíduos ‘não-índios’ como a subcultura da qual se tenta libertar.
Tristeza e preguiça. Porque, depois de tantos diálogos, de tantos exemplos, de tanta internet esfregando A PORRA DA HISTÓRIA DOS ÍNDIOS na cara da gente e durante um período efervescente de discussões acerca da importância do conhecimento das diversidades CULTURAIS (incluindo a CULTURA BRITÂNICA, é claro, entre tantas outras macro e microculturas, além das culturas de grupos sociais), e durante uma época de lutas e de movimentos sociais, a gente tem de se deparar ainda com o ‘complexo de vira-lata’ descrito por Nelson Rodrigues, que descreve o brasileiro como um autossabotador nato. ‘Ficar de frente para o mar e de costas pro Brasil não vai fazer deste lugar um bom país’, já dizia, se bem me lembro, a música cantada pelo Milton.
Quem sabe, se Hollywood fizesse uma série enlatada sobre o que é ser um índio no Brasil, a PORRA DA HISTÓRIA deles, depois de maquilada, estereotipada, macaqueada e, enfim, vendida em ‘drops’ semanais de drama erótico-social-tragicômico, não seria aceita pela gente? Contanto, é claro, que não escalassem nenhum ator brasileiro pra fazer os papéis principais, pois aí, ah, aí perderia toda a graça...
E, pra quem achar estranhos os substantivos ‘tristeza e preguiça’, ou pra aqueles que não os entenderam no contexto, eu explico: TRISTEZA e PREGUIÇA são os sentimentos que qualquer professor (no meu caso, de PORTUGUÊS, INGLÊS, ESPANHOL e suas LITERATURAS), tem diante de demonstrações de BURRICE. E, ainda, pra aqueles que acharem pesado o termo BURRICE, eu explico: BURRICE não é IGNORÂNCIA. Esta significa desconhecimento, coisa que se resolve mais ou menos facilmente. BURRICE significa que, uma vez exposto ao conhecimento em si ou ao seu aprendizado, o indivíduo nega-os, ignora-os, desaprova-os, desdenha deles etc. BURRICE é não pensar. Ou, neste caso, achar legalzinho pensar com ‘espírito-de-porquice’, modinha bem nojentinha entre os usuários facebookianos atuais.”
Apesar das aspas, o texto é meu. A discussão virou debate, voltou a virar discussão e terminou com a natural polarização entre os “certinhos cult” (como me chamaram, coisa que não tenho a menor ideia do que signifique naquele contexto) e o pobre garoto que foi mal interpretado, ou seja, entre os hipócritas e os não-hipócritas. O problema, o verdadeiro problema, é que todos perdemos com isso. Uma questão mal elaborada, uma prova difícil, um candidato reprovado, nada disso é o verdadeiro tópico. Se estendermos a imbecilidade do que foi dito, chegaremos, certamente, à xenofobia, à cegueira do preconceito regional e étnico que reina no Brasil, mas teimamos, no post, na polarização “cult versusversus… OS INJUSTIÇADOS”! Lembrando que o “injustiçado” em questão foi o garoto que escreveu “a porra da história dos índios do Ceará” (sic). Todos perdemos. Inclusive, as nações indígenas do estado do Ceará, que estão sendo expulsas de suas terras para construções estatais e privadas; que são tratadas como comunidades marginais; que são mantidas enterradas no esquecimento daqueles “não-índios” pelas escolas, pela TV, pelos 3 Poderes; e que (imagino) sequer estavam presentes na sala de prova para ver sua cultura, desta vez, aparecer num teste de seleção para a Casa de Cultura Britânica. Contudo, deve ter sido só coisa “para inglês ver”.

02/02/14

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