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sábado, 4 de janeiro de 2014

O NOVELO DO NÃO E OS CÃES DO SIM


Considere a vida em seus polos.

Nasci, e uma vida que não era eu
veio não sei de onde e me ocupou com um corpo,
um nome e uma história,
e me calou com um grito.

Já sobre a morte, perguntam-me “qual morte desejas?”,
e digo um silêncio que responde
“desejo que ela me venha quando a deseje”,
que morte é clara feito chuva e feito sol,
é feito beijo na boca — não pode ser misteriosa.

De misteriosa já basta a alma,
que sempre é só insinuação, que sempre é silêncio,
que sempre aponta o dedo em riste
para o grande risco que são a vida e a morte.
A alma é dessas criaturas que juntam búzios na praia,
que chutam ondas e bebem vento,
que são tristes em dias de sol e gargalham em tempestades.

A alma é a parenta silente, é a pessoa-mobília,
é o corpo enorme da ausência
que vai juntando todos os pedacinhos pequenos de silêncio
até formar um grande novelo redondo de não
e te invita, como a um gato, a rolá-lo ignoto
pelo chão batido da casa.

Porém, no espírito escuro do quarto,
é ela que fica acordada, ao lado da rede,
contendo em correntes e coleiras os cães da certeza,
todos prontos a rasgar-me a carne e a comer-me os sonhos.

Não a desvendo, e estendo o indecifrável a todo o resto,
que só assim lhe pinto alguma beleza:
de um lado, salta, corre, atropela e dorme bêbada a vida;
de outro, deita preguiçosa e entediada a morte;
e só é possível suportar-lhes a companhia
pondo-lhes a máscara e o véu do impossível escrutínio
e tratando-as como fantasmas de gaveta,
como parentes mortos cujos segredos se foram com eles.

04/01/14

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