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terça-feira, 6 de agosto de 2013

O OUTRO LADO


O destino não é místico.
Ele é uma compilação de passados
— todos imperfeitos —
que se esgueiram num espelho de antimemória
de cristal fosco de nossos ancestrais.
Nele, as falhas, todas, aperfeiçoadas
em infalibilidades.
Todas já passaram.
Todas já são.
O futuro, esse futuro,
é a sujeira nos cantos da moldura,
é a esguelha do olhar medroso.
O futuro é feito de um medo deificado.
Dentro dele, diante dele, que somos nós
senão prostrações estupefatas,
carnes esfoladas de joelhos imolados no asfalto?
Senão adoradores cegos de um deus óptico
que mora no mais abstrato de nossa covardia refletida?
O destino nem sabe de nós.
Nem nos conhece.
Parece assim:
passamos em algum lugar e nos deixamos resvalar um pouco
de modo que a carne de nossa alma deixou lá um cheiro
que se misturou a uma lembrança de cores e luzes
e cromou-se na foto ectoplásmica — a Memória.
Uma espécie de âncora dos deuses que tudo respalda.
“Lembras-te de como eras perdido? Em que deste?”

Não me lembro de nunca haver falhado ou estado perdido.
Lembro-me de, nas noites indígenas no fundo da rede da infância,
sentir medo quando me balançava alto
e gelar-me a barriga um frio magnético:
no topo do pêndulo, a revelação;
o terror, no centro da parábola.
Nessas noites, a vida me dava lições,
como que me preparando para o meu destino,
e me dizia “filho, dorme”.
Mas meu destino parece ser estar acordado
na ponta de um pêndulo cada vez mais lento e longo
cuja parábola ignoro há muito,
assim como me ignora o deus do outro lado,
esquecido de mim como eu, dele.
O que existe do outro lado do espelho?

06/08/13

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