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sábado, 17 de agosto de 2013

INCELENÇA DE CORPO PRESENTE


Quando será que acaba
o que mal terminou de eternamente começar?
Uma dor de ouvido, uma tênue linha entre rotinas:
de um lado, uma vaga sensação de estar-se perdendo;
do outro, uma intátil lembrança de haver existido.
No meio do caminho, pernas abertas, olhares de açude
e camas destruídas pelo tempo e pelas febres.

Ausentes os nomes, ausentes os corpos,
jazemos um rastro de feitos pelo chão de lama seca:
retirantes de nossos próprios abandonos;
peregrinos sem canaãs.

Um tempo cheio de nãos ficou para trás de sua própria noite,
erma, esquálida, insalubre,
e uma aurora de vidro verde de má qualidade
guarda o vermelho-escuro das horas de além:
cair e fugir são a mesma coisa quando se perde o chão.

Nessa queda sem vento ou vertigem,
sem fim nem começo,
quando acabarão de passar pelos nossos olhos
as beatas carpideiras inquilinas coloniais sem joelhos,
as indesejadas senhoras fedidas a sebo
de nossos próprios corações?

17/08/13

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

QUANTA IRONIA, NÃO?


Retrato da ironia. O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e o governador do Ceará, Cid Gomes, conseguiram, sob os olhos e os protestos de um sem-número de fortalezenses, destruir a vegetação de uma área de preservação ambiental do Parque Ecológico do Cocó (que já foi esquartejado para a construção de shopping, prédios e venha lá o que vier) para a construção do mais inútil dos viadutos da cidade. Na foto (clique para ampliá-la), a guarda municipal, responsável por agredir os manifestantes, descansando na sombrinha da árvore que, também por ironia, escapou porque estava do lado de fora do Parque.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O OUTRO LADO


O destino não é místico.
Ele é uma compilação de passados
— todos imperfeitos —
que se esgueiram num espelho de antimemória
de cristal fosco de nossos ancestrais.
Nele, as falhas, todas, aperfeiçoadas
em infalibilidades.
Todas já passaram.
Todas já são.
O futuro, esse futuro,
é a sujeira nos cantos da moldura,
é a esguelha do olhar medroso.
O futuro é feito de um medo deificado.
Dentro dele, diante dele, que somos nós
senão prostrações estupefatas,
carnes esfoladas de joelhos imolados no asfalto?
Senão adoradores cegos de um deus óptico
que mora no mais abstrato de nossa covardia refletida?
O destino nem sabe de nós.
Nem nos conhece.
Parece assim:
passamos em algum lugar e nos deixamos resvalar um pouco
de modo que a carne de nossa alma deixou lá um cheiro
que se misturou a uma lembrança de cores e luzes
e cromou-se na foto ectoplásmica — a Memória.
Uma espécie de âncora dos deuses que tudo respalda.
“Lembras-te de como eras perdido? Em que deste?”

Não me lembro de nunca haver falhado ou estado perdido.
Lembro-me de, nas noites indígenas no fundo da rede da infância,
sentir medo quando me balançava alto
e gelar-me a barriga um frio magnético:
no topo do pêndulo, a revelação;
o terror, no centro da parábola.
Nessas noites, a vida me dava lições,
como que me preparando para o meu destino,
e me dizia “filho, dorme”.
Mas meu destino parece ser estar acordado
na ponta de um pêndulo cada vez mais lento e longo
cuja parábola ignoro há muito,
assim como me ignora o deus do outro lado,
esquecido de mim como eu, dele.
O que existe do outro lado do espelho?

06/08/13