Número de sílabas (desde 11/2008)

counter

sexta-feira, 26 de julho de 2013

MALDIÇÃO


(Para Shirliane Aguiar e Carmélia Aragão, com quem tive a conversa de que nasceu este poema)

O escritor é um amaldiçoado.

Amaldiçoaram-no a ver, ouvir, sentir
tudo o que os outros não veem, não ouvem e não sentem;
e mais amaldiçoado ainda o é
por tentar fazê-los ver, ouvir e sentir,
como continuando-os em si próprios,
mas para além de si e para aquém de sua própria maldição,

a fim de tirar um pouco do fardo
de ser sempre fardado desta ordem,
que é nunca ter de seus um domingo, uma horta, um cão
que não estejam maculados das verdadeiras peles
dos domingos, das hortas e dos cães.

Escrever é parir
como parem as mulheres estupradas,
as únicas cujos olhos nunca se embaçaram
ante o que são os homens,
as únicas cujo coração nunca se quebrantou
pelo gérmen da vida:

as únicas que olham seus filhos com os olhos crus
e os são capazes de amar para muito além
do que ama toda a gente ordinária
que lhes entope os ouvidos da piedade tão característica
dos que têm inteiras ainda as entranhas.

Escrever é parir a morte todo dia
e, todos os dias, ter de amá-la.

26/07/13

FELIZ DIA DO ESCRITOR



(A Shirliane Aguiar, grande amiga e poetinha)

O texto somos nós.
Só que de verdade.


Feliz Dia do Escritor, Shi.

25/07/13

segunda-feira, 15 de julho de 2013

DEPOIS DO DESENCANTO


Quando eu era menino
Tinha um sonho maluco
De achar assunto
Ser piloto de avião.

Queria ser de tudo:
Bombeiro, roqueiro, fazendeiro
Professor e cientista
E super-herói nas horas vagas.

Quando eu era menino
Uma hora o mundo era
Um estado pleno de alegria;
Outra, todo negro e morto

Em cinzas.

Hoje me entendo adulto
(Pobre de mim)
Ganhei ares de escritor
E insígnias de amante.

Vejo a vida racionalmente
Subtraio o joio do joio
E sem me exasperar
Me resigno à inutilidade dos dias.

Em virtude de certas dores da vida
Me tornei mineral
Na esperança de um dia
Me esconder do fim do mundo.

Quando eu era menino
Havia mágica em pedriscas
E todo o segredo da vida
Morava numa concha de praia.

Tudo era cheio de segredos
E de caminhos escondidos.
Tudo era intocável, inalcançável
À mão malvada que pudesse deturpar.

Hoje eu perdi a minha fé
Mais nas coisas que nas pessoas
(Porque as coisas não tiveram infância
Porque as coisas não mudam jamais)

— Exceto no balançador do parquinho:
Este continua invariavelmente
Medicando todos do mal
E nos aproximando do céu

Que ainda é feito de sonho e de estrelas.

10/04/00

segunda-feira, 8 de julho de 2013

LE PETIT


A imaginação é a divindade dentro dos homens.

14/01/12



VIGÍLIAS


Tantas vigílias…
Quando tudo acabar, digam-lhe que estive aquele tempo inteiro
em vigílias.
Vigiei seu sono, vigiei minha insônia.
Fiz de tudo àquelas horas:
uma colcha de retalhos;
uma casa na praia;
uma rua deserta;
uma saúde de ferro.
Não preguei nem parei os olhos,
que se evolaram das cavidades cranianas em fumos de idolatria
— há sobre uma pedra um ebó para cada noite
e um mar cheio de espelhos, perfumes baratos e pentes de feira —,
mas nada, nada suspeitava que seria eu
o ermo daquele tempo, o cume daquele pico, o fundo daquele mar.
Tudo e tanto que esperei,
e era de mim que caçoavam as horas presas
no fundo das garrafas nunca entornadas.
Ali, à espera, à espreita, à porta,
rompia os azulejos baratos do chão
— chão falso, chão de mentira de casa-de-sobrado —
a árvore anã da epifania:
não havia o que esperar.
Quebram-se ossos, imolam-se órgãos em tachos de ferro,
salta-se para o esmagamento lento
nas avenidas repletas de dezoito horas,
e, por fim, desespanta-se num desviver
de pedra de granito de boca-de-lobo.
Ali fiquei, estatuado.
Dali me observo, pétreo, imane ao que virá,
feito pedra que já foi espelho
onde se escreveram, a batom e hálitos, arremedos de corações
e toda sorte de eu-te-amos.
Digam-lhe isto, digam-lhe que já fui vigílias.
E que guardo em mim, como vermes, todas aquelas horas ocas,
tão caninamente esganiçadas por ossos, restos, migalhas,
que hoje me devoram.
E que o que elas comem tem nome
e se chama amor.

08/07/13

quarta-feira, 3 de julho de 2013

DESALEGRIA


É essa minha desalegria
que, em vez da lua e da rua,
me espera de alma nua
e mãos vazias
na cama do fim do dia em que não fui tua.

É essa minha desalegria
que, em vez da noite o breu,
me espreita de olhar ateu
e concha fria
do escuro do fim da vida em que não fui teu.

03/07/13