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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

TRISTE FIM DE UM ABRIDOR DE HORIZONTES



Desde que me lembro, sondo o mundo ao meu redor. No início, coisas elementares, alimentos, móveis… De onde terá vindo a palavra “bifê”? Na minha casa, havia um, azulejado, dormia nele quando criança. E a garrafa de vidro, que alguém dormiu, sonhou e realizou da areia — vira em um almanaque —, e a de plástico, que já foi um dinossauro? Me encantava tanto o mistério por trás das palavras! E me encantavam, consequentemente, a sintaxe das coisas, a relação da nuvem com a chuva, a da Lua com a maré, o porquê de o vento, o raio e o trovão me maravilharem…
Na minha maletinha de tintas guache, jazia das ferramentas mais esmero que uso, que é coisa que também me conta: pincéis, tubinhos multicores deitados em coleção pouquíssimo usada. Coleção, como foi a de tanta coisa… Pedras, às quais atribuía magia, búzios, bilas, achados de praia, toda sorte de bugigangas… Um inverso da trilha de miolos de pão do meu livrinho de contos, que hoje está nu de capas e de sonhos. Sonhara-me ele, talvez, e eu o abandonei. Triste fim de um abridor de horizontes…
Assim tem sido, talvez, com as abstrações superiores: minhas ferramentas se multifacetaram, tornaram-se pequenas como as de um relojoeiro, porém, a despeito de minha exímia com elas, não devo ter construído ou consertado totalmente nada em minha vida inteira. Também não sou bom em desusos: as tarefas inacabadas se empilham sobre meu peito, que sofre por respirar à noite, sempre amarrado, atado por essas cintas de livros que se usavam antigamente.
Antigamente, queria entender a sintaxe do mundo. Na minha inocência, confundia o mundo com as palavras. Vim descobrindo que a sintaxe do mundo é irritantemente ordenada. Previsível. A ela, prefiro quase religiosamente a liberdade caótica das palavras. O lé com cré de rimar saudade com maldade me faz mais sentido que o bom-dia das manhãs de segunda-feira.
Uma denúncia leva a um encobrimento, um jogo de interesses a procrastina, e uma manutenção da ordem a executa. Vive-se por consecução. Encaixa-se aqui. Engrena-se acolá. Como na máquina de Carlitos.


Tempos Modernos
Ser uma peça sem encaixe não é de todo mau. Não! Ocorreu-me agora! Também o eram as coisinhas que eu achava no chão e colecionava! Também o era meu livro nu! Todos, testemunhas de minhas tentativas de compreensão do que o compreender-se o mundo não dá conta nem nunca deu! Um, cá, outro, lá, vieram me montando, arborescendo-me de diagramas, estames, pedúnculos. Minha sintaxe é a mesma das palavras cujos significados só sonhei. Ou teriam sido elas que me sonharam?

12/09/12

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