Número de sílabas (desde 11/2008)

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terça-feira, 18 de setembro de 2012

HOJE


(À Lidiane Lima, minha parceirinha desta e de outras vidas)


Hoje, eu estou para tragédias hepáticas
e óperas cardíacas.
Hoje, só o fundo do copo me conhece,
me entende,
esse fundo de copo americano sujo de bocal partido,
tão meu, tão noturno, tão moto-contínuo.
Hoje, nem o diabo me salva de ser eu.

18/09/12

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

TRISTE FIM DE UM ABRIDOR DE HORIZONTES



Desde que me lembro, sondo o mundo ao meu redor. No início, coisas elementares, alimentos, móveis… De onde terá vindo a palavra “bifê”? Na minha casa, havia um, azulejado, dormia nele quando criança. E a garrafa de vidro, que alguém dormiu, sonhou e realizou da areia — vira em um almanaque —, e a de plástico, que já foi um dinossauro? Me encantava tanto o mistério por trás das palavras! E me encantavam, consequentemente, a sintaxe das coisas, a relação da nuvem com a chuva, a da Lua com a maré, o porquê de o vento, o raio e o trovão me maravilharem…
Na minha maletinha de tintas guache, jazia das ferramentas mais esmero que uso, que é coisa que também me conta: pincéis, tubinhos multicores deitados em coleção pouquíssimo usada. Coleção, como foi a de tanta coisa… Pedras, às quais atribuía magia, búzios, bilas, achados de praia, toda sorte de bugigangas… Um inverso da trilha de miolos de pão do meu livrinho de contos, que hoje está nu de capas e de sonhos. Sonhara-me ele, talvez, e eu o abandonei. Triste fim de um abridor de horizontes…
Assim tem sido, talvez, com as abstrações superiores: minhas ferramentas se multifacetaram, tornaram-se pequenas como as de um relojoeiro, porém, a despeito de minha exímia com elas, não devo ter construído ou consertado totalmente nada em minha vida inteira. Também não sou bom em desusos: as tarefas inacabadas se empilham sobre meu peito, que sofre por respirar à noite, sempre amarrado, atado por essas cintas de livros que se usavam antigamente.
Antigamente, queria entender a sintaxe do mundo. Na minha inocência, confundia o mundo com as palavras. Vim descobrindo que a sintaxe do mundo é irritantemente ordenada. Previsível. A ela, prefiro quase religiosamente a liberdade caótica das palavras. O lé com cré de rimar saudade com maldade me faz mais sentido que o bom-dia das manhãs de segunda-feira.
Uma denúncia leva a um encobrimento, um jogo de interesses a procrastina, e uma manutenção da ordem a executa. Vive-se por consecução. Encaixa-se aqui. Engrena-se acolá. Como na máquina de Carlitos.


Tempos Modernos
Ser uma peça sem encaixe não é de todo mau. Não! Ocorreu-me agora! Também o eram as coisinhas que eu achava no chão e colecionava! Também o era meu livro nu! Todos, testemunhas de minhas tentativas de compreensão do que o compreender-se o mundo não dá conta nem nunca deu! Um, cá, outro, lá, vieram me montando, arborescendo-me de diagramas, estames, pedúnculos. Minha sintaxe é a mesma das palavras cujos significados só sonhei. Ou teriam sido elas que me sonharam?

12/09/12

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

KABUKI


Sei que errei.
Sei que são minhas as tuas vontades
e que não dizes sozinha de ti.
Sei que tua roupa me reflete,
que teu paladar me saboreia
e que tua noite tem a minha cor.
Onde estive, quando te perdeste?
Eu, centrado, esclarecido… Eu, senhor.
Tu…
Tu te largaste. Saltaste cega em meu cavalo
e cega foste a um dia de faca
que te arrancaria os olhos,
esses olhos de kabuki
Vidrados no além do amor, no que não é amor:
no que é a terra do horizonte desgraçado dos náufragos,
no que é a conjuração da água ilusória do deserto.
Onde estive, que não te estapeei a cara
para acordar-te?
Meus afagos te fizeram mais mal que uma boa surra!
Ou que a mim me dessem uma boa surra,
e eu, estropiado, diante de ti, fizesse-me eu,
o eu que te comeu os sonhos e arrotou bufando,
de mão na boca, contido, entediado,
este eu que te rasgou inteira
sem que reclamasses, sem que te desses conta,
com os talheres baratos dos almoços de domingo,
sobre a mesa amarela,
a carne perfumada, o arroz fragrante…
Quando, adorada, quando foi que te perdeste
sem que eu junto contigo me achasse?
Onde estive, quando estiveste linda,
inteira, entregue, totalmente minha?
Onde estive, quando te perdi?

05/09/12