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terça-feira, 1 de maio de 2012

DO ENCONTRO


Era velho antes
— e nasci!
Sabendo de meu corpo
apenas o útil e necessário
— que métier da carne é donzelar-se
para, só depois, vagabundear-se pela vida —,
esperei por ele e ainda espero
numa dessas confluências,
uma bifurcação,
de cujas estradas uma, de tanto ir e vir,
já sou eu.
Desde sempre, espero-me.
Anseio por dele dizer:
“Eis que o vejo, roto, cambaleante, aleijado…
Eis que lhe ouço o gemer das vozes ósseas
dizendo, rumorejando os nomes de todas as coisas
que o trouxeram até mim.
Eis-te, corpo que agora pareces comigo,
eis-te, marido, eis-te, esposa, eis-vos, filhos, pai, mãe e ignotos avós.”
Que de espera… Que de saudades de casa!
Minh’Aruanda, minha Santa Bárbara,
meu mundo de lugares onde estive e os quais fui.
Minhas serras, meus mares e meus quintais,
minhas árvores, meus rios,
resgatarei ainda algo de meu corpo?
Ou terá tudo sido só a estrada,
só a poeira sulcando nas gretas dos pés
e o negro salgado azulando as unhas das mãos?
Deveria ter-me deixado uma pista quando nasci:
talvez, um borrão na retina,
talvez, uma puxada na perna…
algo que de mim soubesse
para me contar depois.
Acontece que estou cá
e por aí,
certo de unir-me as córneas e o espelho,
e vestir-me enfim
do agasalho de minha pobre e quente pele,
calçar-me de meus pés
e dizer de minha velhice à outra, também minha,
mas mais velha, mais sofrida, tão cheia de tanto do tanto daquele mundo
— que ficara para trás —,
que chegamos, ainda que não juntos,
à gênese de nossas horas, tantas e tão velhas,
tão amontoadas,
tão estranhas às paredes de seus quartos
quanto nos foram os cálices com que nos serviram a vida.

30/04/12

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