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sexta-feira, 6 de abril de 2012

ARRAIAS MORTAS


No poste, pendurado,
Gira tresloucado um semidescarnado esqueleto de arraia,
Agrilhoado pelo rabo enroscado
— escamas e esporão —
Na fiação elétrica da rua
— dessa onde morrem todas as infâncias.

Nele, no esqueleto, jazem
As crianças descalças, os sonhos sujos,
A plenitude do começo.

Seu corpo rasgado, sua pele de seda, tão delicada…

Esquecera o topete da emboança no céu, embiocando, lanceando,
Ligada à terra por fio de linha 10
— fio de mãe costureira —,
À âncora cujo coração livre voejava na inteireza de moleque
E sacolejava errático no vento, no campo, no infinito da tarde esparramada
Sem polícia, sem ladrão, sem cabos USB.

Então,
O menino era uma âncora que sonhava navios voadores.

Guerras delicadas de força e destreza
Tiveram praça no céu daquela rua!
Os peitos, cheios de coração, escudados em brasões de papel de seda
Chispando no ar sob o comando de almas
Que nunca foram mais puras.

Pureza que se descarna e morre
Como um pássaro sem asas,
Ardendo sob um sol que não pode mais peitar.

Só hoje, dei-me conta do tão tristes que são
Arraias mortas.
É ver o cadáver da alma em seu mais próximo de Deus
E não lhe achar nenhuma lágrima.

Tristes, também, dos navios, que partiram sem mar
E perderam suas almas no intermédio de si
E de suas âncoras cujas cracas imobilizaram
No submarino lodo do carbono que nos cerca a todos,
Quando nos esquecemos dentro da vida
Sem céus, praças ou bandeiras.

24/03/12

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