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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

SEIS HORAS



Quantas horas existem dentro de seis horas?
Talvez, o suficiente para afogar-se a noite,
talvez, para resgatar-se o dia.
Certamente, para duvidar-se do mar,
tempo relativo ao homem e à terra,
ao coração e à fogueira morta das certezas,
às cinzas de dias passados
plenos de noites náufragas, infinitos de sal e algas,
onde respirávamos tu e eu, escafandrados nas palavras libertas das cartas,
nas memórias voláteis,
nas atrozes expectativas de que aquelas seis horas não bastassem para nós
para que pudéssemos ser quem éramos:
filhos do tempo urgente,
excertos da roda das almas ígneas,
fragmentos de minutos eviscerados à faca do infinito.

Estar acordado no inútil destas seis horas
com o peito cheio de tosses
e com dores em toda parte onde estiveste
é o pueril romântico dos meus quinze anos
decantado em aulas de Literatura Brasileira:
fulano morreu tuberculoso;
beltrano, de tiro no pé;
sicrano, esse, coitado, suicidou-se sem que se dessem dele.

É dessa época minha lembrança mais triste de morte:
um homem cujo fedor cadavérico só incomodou aos vizinhos meses depois de haver-lhe a morte recendido suas pétalas.
Morrera miseravelmente só e esquecido em sua casa de periferia
sem que lhe soubessem amigos nem relativos,
sem que lhe soubessem nada de dizer
além da manchete de noticiário.
Senti irmandade com aquele homem e pranteei-lhe
com toda a minha verdade e minha cobiça
de desaparecer tal qual, sem palavras de contar quem fui,
sem passado que me diminuísse à condição de fulano:
seria um corpo incômodo, dos que se aproveitam igual aos vermes qual aos estudantes de Medicina e aos alunos moleques secundaristas.

Estar acordado agora é ser aquele sujeito
no interminável de sua última hora:
um lapso do tempo em sua piada de relatividade.
Anônimo como o minuto que acabou de passar.

Porém, dirias, seis horas não é nada.
Um turno. Um quarto.

Um fôlego de náufrago
entre o mergulho e a luz salgada,
coisas de que é feita a rotina das orcas
e dos ponteiros maciços do relógio da torre da praça
onde eu te comprara um sorvete tão saboroso e pobre
como fora aquele dia em que me alumbraste.

09/11/11

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