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terça-feira, 17 de maio de 2011

ENQUANTO NÃO CHOVE


O Sol já nasceu, parido da Terra, em algum lugar onde não chove nunca.
Em outro, ele prenuncia um dia ausente de si, pois já não importa,
ou já se resignaram sob nuvens de chumbo, ácidas, carbônicas, maciças.
Ali, ele apascenta jovens e perdidos às praias de algas imundas.
Acolá, ele desfaz os planos de um sonhador.
Enquanto não chove, enquanto não se desmancha um dia
cheio de fumaças veiculares e humanas,
e não se derretem ainda todas as gorduras acumuladas nos coletivos,
e não se deixam levar de medo os cães a suicidarem-se de nós no meio das avenidas,
e não destrepam as mães as roupas reluzentes varais adentro,
e não se acumulam transeuntes ao redor do motociclista esmagado,
e não se estouram mais tímpanos e almas sob projéteis sonoros de merda e luz,
enquanto não chove,
reza o dia uma ave-maria — pois no credo não crê o dia — aos que não dormem quando se vai,
de pena, de lamentação, de condolência, de irmandade,
pois sabe o dia da contemplação aos homens sem luz, às mulheres sem alma, aos velhos sem nada,
pois o dia sabe o que é a lavagem da chuva sobre e sob essa terra
onde não há mais o que se ponha em arcas,
nem aonde as arcas irem, nem por quê.

17/05/11

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