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domingo, 20 de fevereiro de 2011

ROSÁRIO


Há muito tempo, na tevê, eu vi um trecho de reportagem sobre Arthur Bispo do Rosário. O finalzinho. Nela, um homem desdentado, interno da Colônia Juliano Moreira, gargalhava e chorava enquanto definia diante da câmera o que ele via numa obra de Bispo. Era um tempo em que os meus versos ardiam, e cada poema era um registro de um peso grande que nunca se aliviava, embora fosse essa a impressão deixada. Os poemas eram como sulcos, pegadas fundas e deformadas pelas pedras do carroçável.
Em todo esse tempo, nada me definiu a arte melhor que ele. Ali, junto ao choro com que aquele homem se dava ao mundo que o retirou de si e tentou retirar-se dele, deu-se o meu. Por ele e por mim. Porque eu o entendi, e isso me condenou irrevogavelmente. “Eu escrevo porque o passarinho canta”, uma vez, escrevi. Esse passarinho, essa Voz que me comanda é Arthur Bispo do Rosário.

ROSÁRIO

A vida, beija-flor, é o teu estandarte.
Ali, teceste-nos.
Recriaste, porque eras escravo
De quem te recriou
— a Voz que te fez pássaro
Que desfiava um mundo para coser outro
Deu-te asas melhores que as de um anjo,
Pois, onde neles há um sopro,
Em ti, havia só humanidade.

Se fosses livre, se fosses livre
Da Colônia Juliano Pereira
— que só por ti merece menção —,
Voarias, Bispo?

A vergonha deste mundo
É não te ter flores
Quando só lhe deste amores
E te matar de fome, Rosário,
E te queimar as roupas
Que fiaste, prevendo um Dia
Que aqui já está sem ti.

20/02/11


Um comentário:

alma disse...

Fernando,

o tempo tem sido muito curto e as visitas nulas.

hoje fiquei petrificada! desde o poema que vale por mil palavras, ao vídeo que me deixou a reflectir profundamente.

louco é o louco que não se diz louco... bispo tem em si algo de etéreo, de um outro espaço.

bem que este vídeo poderia ser mostrado ao mundo inteiro.

obrigada pelo momento.

bj