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sábado, 31 de julho de 2010

Você, Você (Canção Edipiana)

(Guinga e Chico Buarque)

Que roupa você veste, que anéis?
Por quem você se troca?
Que bicho feroz são seus cabelos
Que à noite você solta?
De que é que você brinca?
Que horas você volta?

Seu beijo nos meus olhos, seus pés
Que o chão sequer não tocam
A seda a roçar no quarto escuro
E a réstia sob a porta
Onde é que você some?
Que horas você volta?

Quem é essa voz?
Que assombração
Seu corpo carrega?
Terá um capuz?
Será o ladrão?
Que horas você chega?

Me sopre novamente as canções
Com que você me engana
Que blusa você, com seu cheiro
Deixou na minha cama?
Você, quando não dorme
Quem é que você chama?

Para quem você tem olhos azuis
E com as manhãs remoça?
E à noite, para quem
Você é uma luz
Debaixo da porta?
No sonho de quem
Você vai e vem
Com os cabelos
Que você solta?
Que horas, me diga, que horas, me diga
Que horas você volta?



Outro dia, papeando com meu amigo Washington, falei dessa música e de como os versos "Que bicho feroz são seus cabelos | Que à noite você solta?" são fortes. De fato, fizeram parte de um momento de minha vida, e eu lhes atribuí a interpretação mais óbvia: a de um homem que se pasma diante da beleza e da força da mulher que ama, sem ser por ela correspondido.
Nesse dia, eu me lembro de que o Washington me chamou a atenção ao subtítulo (Canção Edipiana), de que me havia esquecido, e me revelou a intenção do Chico na gênese da letra: uma canção que falasse do amor de um filho por sua mãe.
A genialidade de Chico Buarque na construção dessa letra, criando, a partir da observação de uma realidade pessoal, uma outra freudianamente paralela, revela-se (ainda conforme Washington) como uma chuva após uma longa estiagem criativa, pelo menos no que concerne ao grau de metaforização. O caso é que, como não vejo há algum tempo, Chico cifra, codifica, sobrepõe semas de uma maneira que as interpretações possíveis não se anulam, mas, ao contrário, somam-se uma à outra, levando o ouvinte atento a muitas outras interpretações individuais.
Descubram-na e redescubram-na.

4 comentários:

Crisneive Silveira disse...

Lindíssimo.

Carola disse...

A Carol também tava com você e o amugo Washington...
Tô com váiva!

Fernando de Souza disse...

Foi mal, minha diva. Corrigindo: estávamos eu, Carol e Washington a parolar quando...
rsss
Desenvaiveça-se, beibe, que eu te amo.

Rebeca Xavier disse...

eu só perdoava se editasse a postagem... lálálálá