Número de sílabas (desde 11/2008)

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domingo, 9 de maio de 2010

O CONCRETO DA VIDA DAS LETRAS


Caso essa palavra vida
(com efeito, a das letras)
abandonasse a abstração substantival
e se concretizasse
denotativamente,
como será que se sentiria
a vogal fraca
de um átono e atônito hiato?
Como soaria
um desencontro consonantal
epenteticamente separado?
(de que matéria seria
a vogal amante
pivô de tal desfeitura?)
O diapasão do U
me parece agora,
morto o trema,
um sorriso sem olhos,
e a firmeza do ponto final
é birra solitária,
como já diriam tristemente
as reticências...
Já vejo a vírgula
tropeçando
o caminho natural das sinalefas,
quando as sílabas
percebem aturdidas
que, apesar da caligrafia cursiva de Deus,
letras nascem
e morrem
sós.
Ei-las foneticamente amarradas,
prefixadas, hifenizadas,
germanicamente compostas,
repetidas,
à espera de sua própria voz.
Sequer sussurram suas experimentais
aliterações.
Enlouquecem, formam verbos,
neologizam-se
para que, na ilusão de uma transitividade,
complementem
umas às outras.
A solidão metalinguística das letras
é palavra-ônibus,
é coisa que não tem nome,
tendo-o.
Então, desistem de ser palavras.
Ser palavra é iludir-se
no conjunto formal
de uma significação coletiva,
mas vazia,
visto que a isso
segue-se a morte lexical:
um ultrajante estado de dicionário.
Preferível é
encadaverizar-se, mas de pé,
dignamente, puramente.
Preferível é a tautologia
de ser-se o que se é.
Põem-se lado a lado
crescentemente,
alfabeticamente.
Milhares, milhões
de A enfileirados,
rudes, inefáveis, incaracterizáveis
pelo que não os seja.
Para serem, enfim,
letras,
inanimadas como números,
que se perpetuam
sem a consciência do infinito.

09/05/10