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sexta-feira, 12 de março de 2010

O FIM DO "PAI" DO GERALDÃO

Tiveram fim na madrugada desta sexta-feira, 12 de março de 2010, as vidas de Glauco Vilas-Boas, cartunista brasileiro, e Raoni, seu filho, que foram vítimas de um assalto em Osasco, São Paulo.
Esse é o teor dos informes que encontrei em várias páginas da "internet" nesta manhã. Fiquei me perguntando: tirando todo o óbvio peso da violência, da morte e do ultraje, seria essa a definição apropriada pro Glauco? Será que a mídia virtual não poderia dedicar algumas linhas a mais com informações mais pertinentes e justas sobre um dos mais irreverentes artistas críticos da sociedade brasileira? Será que não seria melhor pros fãs e pros leigos um texto mais digno, mais completo, até mesmo mais ácido, como era a visão de Glauco, sobre ele próprio? Senti falta disso. A mim, pareceu que o horror do fim das vidas dos dois e o da carreira de Glauco, destinada à reflexão sobre o cotidiano e seus problemas morais, sociais e políticos, importou menos que o laudo da polícia de Osasco. Crime hediondo, sim. Perda ainda mais hedionda pra todos aqueles que têm os olhos tristemente abertos sobre este país.

Glauco foi autor de personagens alegóricos e arquetípicos que representam desde o início dos anos 80 as criaturas urbanas das grandes capitais brasileiras. Com sua visão sarcástica, ele idealizou personagens marginais e cômicas que podem ser identificadas em nós mesmos, nossos amigos, nossos colegas de trabalho, parentes, conhecidos etc.










Geraldão foi, sem dúvida, sua cria mais popular. Glauco criou uma alegoria do homem hedonista dos anos 80, vagabundo por natureza e edipiano de criação. Com cerca de 30 anos e ainda virgem, Geraldão é um dos melhores símbolos do excesso e do consumismo dessas últimas 3 décadas. Sua mãe, personagem que nunca foi nomeada, tem um relacionamento de rejeição, sarcasmo, obsessão e (entende-se) "amor" com o filho. Muitos dos comportamentos de Geraldão são facilmente identificáveis no homem adulto criado "pela TV" nesses últimos 30 anos. O seu relacionamento com a TV, que, por vezes, cria vida e o persegue, não deixando que se livre dela (sim, Geraldão tem lapsos de consciência); suas bonecas infláveis Sônia Braga e Sharon Stone, seus únicos meios de relacionamento próximos de uma transa (ainda assim, semi-impedidos pela mãe), além de objetos domésticos como a batedeira de ovos elétrica; a sua figura, por vezes desenhada com vários braços (cada um com seu excesso, desde "big macs" a absinto, muitas vezes, empilhados todos juntos) e várias pernas, sempre em movimento caótico, além de uma seringa espetada eternamente em seu nariz e vários cigarros na boca ao mesmo tempo; e o fato de, em sua evolução hedonista, ter sido retratado primeiramente com calças sem elástico para, depois, surgir completa e despudoradamente nu são algumas das metaforizações do homem moderno, perdido, inseguro, viril, porém frustrado sexualmente, usuário de drogas, irresponsável e alienado.
Glauco, genialmente, criou uma personagem que expõe um retrato crítico mais ácido sobre a figura humana que as suas charges políticas, mesmo sendo estas sempre muito explícitas, contundentes e revoltantes.



Juntamente com Angeli, Laerte e, mais recentemente, Alan Sieber, foi, entre os cartunistas contemporâneos, um dos melhores a criticar o estilo de vida irresponsável e caótico do homem urbano clássico. A ausência de referências ideológicas e mesmo de ideologias, a ignorância, o oportunismo, a reificação, o hedonismo, o excesso, o vício, a inconsistência dos relacionamentos, a banalização da vida, tudo isso foi exposto de maneira firme, cômica, e, muitas vezes, cínica por Glauco.
Lamentemos pela perda da sua vida e da de seu filho, sim, muito, enormemente. A violência que, tantas vezes, foi retratada em seus cartuns tirou a sua vida, como a de tantos outros cidadãos de São Paulo, de Fortaleza, de Salvador, do inacreditável Rio de Janeiro. O caos reinou. E reina.
Geraldão teria ficado de cara com isso.

Um comentário:

Rebeca Xavier disse...

tocante.
e eu divulguei.
podia?