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domingo, 4 de outubro de 2009

LUTO NEGRO

Hoje, veste-me um luto negro
como é negro o sentimento de já não haver
quem lhe socorra o sangue de parar,
quem lhe acolha o rosto pesado e grave
do desencanto.
O incontestável da vida calou uma voz
que vinha da terra, das pedras, das raízes das árvores mais velhas,
que gemia a dor e laudava o orgulho de todo aquele
que já pisou sangrando o chão de sua terra.
Essa voz iniciou em mim o amor pela língua espanhola
com sua "Volver a los diecisiete" bem antes de que eu os tivesse.
Cantou em meu peito o orgulho de um povo que não é o meu, sendo-o.
Mostrou que as raízes de minhas árvores se entrelaçavam com as deles
e que era tudo o mesmo chão.
Todos os que ouviram a voz negra transformar em um povo os massacrados,
os enganados, os desterrados em sua própria pátria,
os pobres, os que têm a si mesmos crianças escondidas de medo
em seus próprios corações duros em face da crueldade do mundo,
todos esses, hoje, choram silenciosamente
nos olhos desses meninos, que tanto se acalantaram,
e se confortaram, e se engrandeceram a homens,
adormecendo em paz com a grave negrura daquela voz.
Os que ficaram sentem
que o mundo ficou pior
irremediavelmente.

Hoje é 4 de outubro de 2009,
e teve fim uma força da natureza
que cantou os desfavorecidos de um continente inteiro,
unindo-os sob a bandeira de seu próprio sangue
e seu coração americano.
Hoje, desapareceu Mercedes Sosa, La Negra.

2 comentários:

Nataly disse...

O luto é negro. A luta também, pois temos de aprender a ouvir nossos irmãos como fazem os cegos: captando o mundo em meio à escuridão na falta de um sentido...
A voz, a luta, a negra, a mulher.
Ouço-as ao pisar as areis da minha Sul América depois que, no dia 4, a terra que ela amou e cantou beijou suas entranhas...
O chão reverbera.
Ela é eterna.

Nataly disse...

Correção do último verso:
"Somos eternas."