I
Na esquina se avermelha um romance entardecenteNo meio da poeira alteada dum moinho de vento.São três da tarde. A mão do namorado entrelaçadaNão quer saber de tempo. Não quer saber de nada.Alguma coisa prenuncia um beijo, talvez tenha sidoO rodopio.Mas o que rodopia é o tempo, girando, sem sair do lugar.
II
Não há os sons dos passos, nem o grunhido dos lamentos,Nem os roncos dos motores, não há.Não há buzinas, não há os chutes na cara intermitentes dos sons automotivos.Não há zumbido nos emaranhados das teias de metal,E os silentes relógios emudecem, suspensos.E tudo se suspende: o asfalto, o concreto feio das calçadas, os postes e as placas,As coxias, a lama podre e os jequitis, e as pessoas desvanecem como através de tijolos de vidro refratário.Um momento passa dormente, cadeias de momentos se perpassamEm carrosséis feitos de instantes, orbitando ilógicos no espaço,Em todos os lugares.O dia se multiplica em uma infinidade de fagulhas de quartzo cor de opala.O sol vira uma lembrança, a gravidade, uma sensação. O ar, a reticência de um perfume.E aquele beijo, aquele beijo… aquele beijo vira uma vida toda num instante que, de tão curto, força para que tudo pare!, e assim ele vive, por aí, pra sempre.
III
O sol joga um acorde de luz na pauta ainda suspensa, deixada pra trás pela chuva de há pouco.O tempo vibra. As três horas arriscam um falsete e o vento arremata a frase numa cascata de pêndulos invisíveis.E, num mote improvisado, um bem-te-vi: bei-je-me…
29/12/04
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