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terça-feira, 23 de junho de 2009

CAMAFEU DE LUA

Seus olhos aprocelados
De tantas santas-marias
Fingem cerrar, quando dizem
Que são muitas dores em cada presença
— que se esgarçam em suas tessituras
E que nunca alcançam umas às outras,
E que não se dizem,
E que existem sós em sua inexistência.

Dolorosamente chovem,
Indissipadamente crescem,
Enrugando raios, embolsando trovões,
Encrespando de piedade o mar dos seus homens
E afogando todas as almas que perderam,
Que esqueceram de levar às ilhas desertas de seus dias.

Por onde se esparsam, sem se dividir,
Sem nascer nem adolescer em seu envelhecimento
— que é tão comum na resignação parda dos simples —,
Aspergem dolentes, sobre as flores dos homens,
Crescentes de outonos, instâncias de sombras mornas,
Modorras de estios mornos, cadências de mormaços
Que, apenas se iniciam,
Queimam a pele da terra
Como queimam seus cristalinos de pedra, couro de sua pele.

Seus olhos ígneos e amarelos
Defloram os baixios onde casas se amontam,
Onde gentes dormitam e ebulem quietas
— flores cálidas que morrem vivas em suas cores —,
E seus raios choram sua dor,
E sua dor também não os alcança,
Também não os iguala dentro de suas córneas.

Arrebentam na porta dos homens
Seus olhos vítreos e opacos de aluvião:

Não abrem!

Desabalam os cachoeiros cheios de espasmos violentos
De seus olhos de queda-d’água
Suplicantes,
Efusivos de desespero pela infertilidade dos homens:

Não abrem!

Seus olhos afantasmados de vento
Tão-só vestem, invisivelmente comiserados de dor, os homens,
E se apiedam em levantes bafejados de pó
Contra seus corpos, contra seus olhos,
Contra seu caminhar bovino,
Contra sua carne de aço:

Não abrem!

As portas dos homens estão cegas
Aos seus olhos de sol
— portas sem frestas —
Que fazem com que a terra chore na ascensão do vapor que vira nuvem,
E que chore o céu na nuvem que vira rio,
E que sangre a terra no rio que vira mar,
Que o céu veste desveladamente azul de órbitas afadigadas e atentas,
Qual um manto pungentemente vivo
Onde brilha rosa-dourado um camafeu de lua,
Que, em seu brilho, chora.
Como choram seus olhos lácteos nas noites de vigília.

23/06/2009

2 comentários:

Quero uma vida clichê :) disse...

Sem demagogia: foi João Cabral de Melo Neto que passou por aqui? X)
NÃO: foi o MEU poeta, Fernando.
Saudade estava de visitar seu espaço virtual!^.^ Tb estava afastada dos meus blogs por causa da faculdade. Te add cm seguidora através do meu outro blog.
;)

Crisneive Silveira disse...

O que se diz quando as palavras saem correndo pela tangente?

Indescritível.