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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

ESTRADA DE ROMARIA

O meu chão é um chão de quem não tem pátria.
Meus pés correm descalços sobre brasas
que ninguém vê.
Na estrada, na longa estrada,
descampados imensos cortam a harmonia do horizonte
e não permitem a terra chegar ao céu.
Esparsos baixios sem mato e sem árvores se esparramam insalubres.
Capoeiras inteiras ardem sob o coito heféstico
de um sol insaciável.
O demônio guerreiro espolia o chão,
chicoteia o vento
e sevicia o tempo para que não ande.
E este, agrilhoado, estrebucha aos gritos em uma hora imóvel
como uma égua que traz queimada sua genitália
e não tem como escoicear.
A estrada se abre e, enormes, suas pernas tomam de assalto o horizonte da terra.
O círculo do céu como que se afasta covardemente.
O céu não é bom amante.
Seus domínios são a estalagem dos demônios de fogo amarelo
os quais, sob seus olhos azuis arregalados, estupram ininterruptamente o chão,
a terra,
o meu solo sem nome, sem rastro, sem memória.
Arrasto atada à minha sombra minha identidade como um saco de ossos de García Marquez
e minha viuvez de esposa viva carpe a ausência de seu abandono e de sua desolação.
Aonde iria minha terra?
Para onde me levaria?
Para o mar?
Para as grotas negras de suas entranhas?
Para o meio de seu sexo, o final de suas paralelas estrábicas?
Para as profusões de gentes que me vestem como germes?
Para as veias ainda mais negras das cidades?
Para onde, minha estrada sem nome?
Para as fundições onde cozem as brasas sobre as quais piso
e ninguém vê?

06/02/09

2 comentários:

N.Lym disse...

Poxa, Nando... tentando recuperar o fôlego até agora!*.*"

Quanta melodia, quanta combinação... parece que as palavras foram feitas umas para as outras, como se estivesse todas em um mesmo percurso, em uma mesma missão... em uma mesma romaria.

Sou tua fã declarada, seu moço. É sempre bom demais ler o que vc escreve, viu?

Um terno abração pra ti!;)

Anônimo disse...

Brigado, meu anjo. Tantos elogios de tanto fundamento vindos de uma poeta de profundidade me fazem até duvidar de que o poema é meu.
A poesia precisa de mais que leitores, precisa de irmãos, de pais, de mães, de confrades.
A casa tá sempre aberta pra você, poeta.