Abri as portas das Casas, meus amigos.O dia de vossas querências chega com a aurora.A busca dos raios do vosso sol — este, que raia —Alveja as paredes caiadas em torno de vós.Abri também as janelas, se possível, fazei novas frestas.Melhor: derrubai as casas. Desintegrai os tijolos,Uni os espaços, amnesiai-vos de todas as divisões,Que os dias de vossas querelas findam com a auroraQue chega e entra e possui como um demônio violador.Dos caídos. Dos insuspeitos.Preparai-vos, que, com a alba, é chegada a desejadaDe todos vós: a desinibidora, a desconstrutora, a ungente.A luz do dia que porá por terra o despreparo de vossas almas.O desespaço; o inespaço.Abri as portas da Casa.Destrancai os olhos ao que nunca quisestes verificar,Ao que temíeis, ao que vos afligia.Derramai por toda parte as vossas cargas,Desatai os nós de vossos dedos e deixai que se desenlacem de vósOs pecados de vossos temores no Pecado.Deixai que todas as miradas vos perpassemComo num teatro de vidro uma chuva de raios furta-cor.Desengendrai vossas tramas, retrocedei vossos engenhos,Desguarnecei-vos de todo cuidado.Entregai-vos.Abri as portas das vossas Casas, meus amigos,Que é chegada a hora de vossas intolerantes e imperdoáveis paixõesVagarem nuas, alucinadas, estapafúrdias pelas ruas.Deixai que sangrem de vossos corações os ódios e os amores.Esquecei de vós e dos vossos, que é também chegada a sua hora.Não há mais o ridículo nem o virtuoso. O que temíeis revelar será exposto pela manhã.E não haverá o menor traço de vergonha a perseguir-vos pelos vossos rincões.Perdei o medoDa mulher;Do ladrão;Do patrão;Do Leão;De vós.Meus amigos, meus queridos amigos, apaziguai-vos.Não haverá mais conflito entre as vossas vontades e os desideratos da vida.Nem mais linhas que delimitem a vida e a morte.Será o fim das horas, dos segundos, o rompimento do real e do metafísico.Não tereis que pensar sequer.Rompei a barreira escravizadora do imaginável.Esquecei-vos.Abandonai-vos, meus irmãos.Parti todos vós como um olvido,Congraçados pelos raios onipresentes de vossas auroras.
22/02/07
Este blogue se destina ao uso artístico da linguagem e a quaisquer comentários e reflexões sobre esta que é a maior necessidade humana: a comunicação. Sejam todos bem-vindos, participantes ou apenas curiosos (a curiosidade e a necessidade são os principais geradores da evolução). A casa está aberta.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
ENLUARADA
Toda noiteEnluaradaTem escondida por trás do branco-prataA tristeza moura de um minarete abandonado,De uma reza engasgada,De um partido coração.
A pérola almiscaradaNascenteSó esconde atrás de siO que, no peito desamado, reverbera:Ventos brancos e estéreis,Mas quentesE secos, mortalmente secos,Que servem de rio e carruagemPara a noite vermelha e maltratada da saudade.
22/03/08
A pérola almiscaradaNascenteSó esconde atrás de siO que, no peito desamado, reverbera:Ventos brancos e estéreis,Mas quentesE secos, mortalmente secos,Que servem de rio e carruagemPara a noite vermelha e maltratada da saudade.
22/03/08
A LÁGRIMA APARTADA
Vi uma mulher numa filaAjeitando o cabelo com as mãos mecanicamente.Vejo outras nas escadas, nos salões e corredores.Vejo seus homens e seus filhos e filhas.Suas mãos se movem e desenham no ar sombras graciosasSobre as mulheres que imagino.Estas ondulam entre as outras e através delas,Escondem-se por trás dos seus óculos,Riem com os seus risosE silenciam e choram dentro de seu silêncio.Vejo mulheres que choram, tenho-as visto minha vida toda.Por trás das camadas de roupas e da maquiagem elas choram,Por trás dos olhos, sob a pele, dentro dos ossos,Elas choram caladas e lamentam, e lamentam.Em seus olhos.O que nelas chora é a carneE, de sua carne, tudo, tudo…
18/05/08
18/05/08
FLORES BRANCAS
A lua é cheia e parece rasgar a seda negra da noite.A janela aberta me ensina a olhar o céu.Aqui, tudo quieto e o som da água entrando na caixa cobre a alma que dormita por trás do fundo dos olhos.Resta uma nuvem que migra esfiapada — acho que morta ou encantada.E longe, curva-se a estrela-mãe sobre um teto de flores brancas que ressonam seu perfume.A lua se repete multipetalada nas flores.Vela-lhe o sono a mesma estrela, manjedouristicamente, e reza a nuvem calada as chuvas de seu ventre.A noite é mansa.A vida é jovem.
19/07/08
19/07/08
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
A LUA QUE TU ERAS
Minha gente, minha roupa,
meu casaco de vento
e meu chapéu de céu:
minha ternura, onde reina?
Meu abraço não te alcança, mein cherub,
nem meus olhos te desenham o rosto,
pois não te leio mais.
Minha fruta moreninha de vida,
meu quintal sombreado de abacate,
minha luminosidade
se esconderam nos filmes da tevê
e na minha janela triste
sem ponto e sem horizonte
— tadinha, tão toda desenquadrada.
Dela, fugiu até a lua:
minha lua, a lua que tu eras.
03/12/08
meu casaco de vento
e meu chapéu de céu:
minha ternura, onde reina?
Meu abraço não te alcança, mein cherub,
nem meus olhos te desenham o rosto,
pois não te leio mais.
Minha fruta moreninha de vida,
meu quintal sombreado de abacate,
minha luminosidade
se esconderam nos filmes da tevê
e na minha janela triste
sem ponto e sem horizonte
— tadinha, tão toda desenquadrada.
Dela, fugiu até a lua:
minha lua, a lua que tu eras.
03/12/08
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