Número de sílabas (desde 11/2008)

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sábado, 19 de dezembro de 2009

O MAL DE AMOR


"O mal de amor, em nossa sociedade de Língua Portuguesa, é uma coisa que o indivíduo tolera.
E chegamos então a essa chave extraordinária da vida, que é a saudade.
A ideia de saudade, que é essa autorização que conferimos a nós próprios pra ficar tristes, se tivermos razão para isto."

Pedro Ayres Magalhães,
in Língua - Vidas em Português

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

PONTO FINAL

Nem se sim.
Nem se não.
E senão é apenas
um caso contrário.
Do meu caminho,
retiro todas as possíveis ocorrências
— não me interessam
as minúcias das coisas
nem seus prós e contras.
De fato, não há nada.
Nem de mito.
Verdade ou mentira,
ambas são vãs possibilidades,
neutras abstrações.
O que me interessa é o concreto
que é que eu te quero
e ponto final.

04/12/09

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

ACORDE

tenho um peito cheio de amor
e de ar.
sopro,
e saem as notas tortas
que, meio de esguelha,
meio sei-lá-que-sejam,
dizem o que tenho de mais íntimo:
que o meu peito é cheio de amor e de ar
dissonantemente.

18/11/09

sábado, 10 de outubro de 2009

Canción de las simples cosas



(Armando Tejada Gómez - César Isella)

Uno se despide insensiblemente de pequeñas cosas,
lo mismo que un árbol que en tiempo de otoño se queda sin hojas.
Al fin, la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas,
esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón.

Uno vuelve siempre a los viejos sitios donde amó la vida,
y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas.
Por eso, muchacho, no partas ahora soñando el regreso,
que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Demórate aquí, en la luz mayor de este mediodía,
donde encontrarás con el pan al sol la mesa tendida.
Por eso, muchacho, no partas ahora soñando el regreso,
que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

domingo, 4 de outubro de 2009

LUTO NEGRO

Hoje, veste-me um luto negro
como é negro o sentimento de já não haver
quem lhe socorra o sangue de parar,
quem lhe acolha o rosto pesado e grave
do desencanto.
O incontestável da vida calou uma voz
que vinha da terra, das pedras, das raízes das árvores mais velhas,
que gemia a dor e laudava o orgulho de todo aquele
que já pisou sangrando o chão de sua terra.
Essa voz iniciou em mim o amor pela língua espanhola
com sua "Volver a los diecisiete" bem antes de que eu os tivesse.
Cantou em meu peito o orgulho de um povo que não é o meu, sendo-o.
Mostrou que as raízes de minhas árvores se entrelaçavam com as deles
e que era tudo o mesmo chão.
Todos os que ouviram a voz negra transformar em um povo os massacrados,
os enganados, os desterrados em sua própria pátria,
os pobres, os que têm a si mesmos crianças escondidas de medo
em seus próprios corações duros em face da crueldade do mundo,
todos esses, hoje, choram silenciosamente
nos olhos desses meninos, que tanto se acalantaram,
e se confortaram, e se engrandeceram a homens,
adormecendo em paz com a grave negrura daquela voz.
Os que ficaram sentem
que o mundo ficou pior
irremediavelmente.

Hoje é 4 de outubro de 2009,
e teve fim uma força da natureza
que cantou os desfavorecidos de um continente inteiro,
unindo-os sob a bandeira de seu próprio sangue
e seu coração americano.
Hoje, desapareceu Mercedes Sosa, La Negra.

domingo, 20 de setembro de 2009

INCONTIBLE

a Joyce Miranda Leão,
que lleva la risa en los ojos.

Hoy, quisiera ser el viento
O um pajarito de los matorrales, selvaje e incontible.
Quisiera mirarte de reojo
Y partir disparado por las ramas,
Escamoteándome y, agazapado,
Robarte la imagen que vive dentro de tu risa.
De soslayos, aquí y allí,
Mis rastros dibujados entre las hojas se te revelarían
— ¿buscaríasme?
Yo tendría tu sien capturada
Y la sangre a mover mis alas
Y a bermejear mis luceros
— así como el lucero del alba —
Y a latir en mi pecho.

Al final, en cambio de tu nombre,
Huiría mi corazoncito de ave,
Llevándome junto.
Posaríamos un día donde estuvieras
Y al tu lado, con un silbo suave, selvaje e incontible,
Te haríamos parecer que el viento te conocía
Como conoce el mar y la montaña
Que acaricia y viste, diciendo sus nombres.

20/09/09

OS TEUS CABELOS DE ANÊMONA

Que guardam os teus cabelos de anêmona?
Quem os trança?
Que maré comanda o mar que os ondula?
Qual a exata medida de sal e de tristeza
Que neles dorme?
Qual a medida de dança
E qual a de loucura?
Quem lhes deu as cores
Que se enegrecem ou cintilam
Conforme o teu sorriso?
Por quem sorriem teus cabelos de anêmona?
Por quem?

18/09/09

terça-feira, 1 de setembro de 2009

DO SIGNO DE PEIXES

Eu me vesti de peixe
Com a guelra aberta
O olhar fanático
A escama tersa
E opercular
Eu fui subir o rio
Eu fui brincar de cio
Eu fui fruir a vida
E povoar o mar
Eu me vesti de peixe
Eu me embarquei em mim
Eu decidi destinos
Me espraiei em abismos
E me deitei menino
No leito cristalino
Do morno fundo do mar

01/09/2009

GELOSIA

Deixei a luz entrar
E ela entrou mesmo assim.
Quem a tirou de fora,
De cima das folhas, das asas dos passarinhos,
Do olhar das criancinhas?
Quem te deixou entrar, senão eu, a quem nunca obedeceste?
Vieram junto infinitas particulazinhas flutuantes e prismáticas,
Que ora reluziam ora esvaneciam,
E imitavam fáceis o sim e o não de todas as oportunidades da vida.
A luz entrara, isso era fato.
Com ela, o ar se iluminara de sins e nãos que lindamente se alternavam,
Compondo uma magnífica poeira
Que eu temerosamente inspirava,
Mas que, no fundo, eu sabia, não fazia a mínima diferença.
Porém, onde se firmara que fazer diferença importa?

01/09/09

SONETO DO DESTERRO

Por onde é que estivemos?, eu pergunto.
Olho o que nos era mais precioso
E não está mais lá nem lá eu pouso
Nem olhos nem mãos: nem eu, conjunto.

A quem pertencemos, se não juntos?
Que é da terra? De quem é o corpo esposo?
Pelo que sangramos a dor e o gozo,
Com, por pouco estarmos, amarmos muito?

Aqui não nos há nem lar nem rumo:
Quem nos era irmão, hoje longe e estranho.
Largada, a pátria ao coração cansado.

Estreito, o corpo ao coração tamanho.
O estrangeiro se instalou ao lado
Do que antes fomos, donde hoje sumo.

01/09/09

sábado, 22 de agosto de 2009

TRANSPOSIÇÕES

Ela abandona o galho
E diz adeus com sua queda,
Até que o chão a ampara
No meio do flandre dos carros.

Ele rompe com a carne,
Atravessando o aço divisório
Do vermelho do mar de sangue
E da terra branca prometida.

Ela deixa a mente sair
E, no corpo, a modorra entrar
Em cápsulas desimaginadas
Que a dissolvem para outro lugar.

Ele, cansado de nunca o tempo
Passá-lo de cá pra lá,
Artificia-se em pêndulo
Para que possa ir-se com o tempo dançar.

Ela não quis o pouco que havia
E mais pôs, rápida, a invadir
O que, pelo ouvido, entrasse
E, por onde saísse, levasse-a.

Ele deitou-se espraiado
Debaixo de um céu de brigadeiro
E deixou-se cobrir, confortável,
Por um mar que o adormecesse.

Ela achou-se incontida
Na pressa do dia-a-dia.
Tentou desengarrafar-se
Por um sinal verde que a parasse.

Ele cansou-se de andar: parou.
Sentiu o vento mover-se para fora
De seu peito que o substituiu
Por um gás que mais o ascendesse.

Ela, farta do frio de estar
Exposta à geleira dos outros,
Inflamou-se por completo
Em busca do seu próprio calor.

Ele não gostava do próprio conjunto
De desarmônicas partes: desfê-las
De um golpe, libertando-as para sempre,
Sob e sobre os ferros imperfeitamente paralelos.

Ela conjurou os astros
E persignou-se ao peito manso,
Depois deitou-se com Deus,
Castamente jejuada.

Ele arrastou para fora
O que no ventre lhe tolhia
E parecia encher-lhe,
Esvaziando-se até sumir-se.

Eles demoraram mais. Aguardaram
Pacientemente o trem que, depois de uma vida,
Chegou pontualmente atrasado
Ao que já era o fim da linha.

22/08/09

terça-feira, 18 de agosto de 2009

MONTAGEM

As palavras são nada.
Elas se enamoram, apaixonam-se, copulam, gestam e parem infinitas palavrinhas que, por sua vez, vivem ou morrem, e, se vivem, repetem a sina da família.
No entanto, a sua alma, o seu espírito, este jaz prestes no limbo das ideias, onde mais ainda se enamoram, apaixonam-se, copulam e parem, à espera de que unamos carne e espírito e as dinamizemos e, finalmente, projetemo-las prontas e cheias ao mundo.
Mundo este que também é um vazio preenchido de sentido pelas palavras que o descrevem.
Mundo: que é mundo, senão uma palavra infestada de palavras infestadas de sentidos que lhes damos?

08/2009

domingo, 9 de agosto de 2009

DÊIXIS PRA CÁ


Deitar-te-ei num campo semântico
E, repleto de onomatopeias e silepses,
Com meu pronome pessoal reto e explicitado,
Introduzirei meu radical latino no teu circunfixo.

Porque tu és minha vogal tônica toda aberta,
Por ti, meu ditongo é sempre crescente,
Tua concordância morfossintática é quase um palíndromo perfeito,
E, sem ti, o mundo é um enunciado pleonástico.

Deixa eu ser a tua epêntese, deixa…
Abre o teu verbo para eu fazer uma mesóclise.
Minha onomástica gira em torno dos teus semas.
O meu estema se mete na sintaxe
Que, sob uma árvore diagrâmica, quero contigo reger.

Junta o teu verbo ao meu e façamos uma locução
Que, hiperbólica, exigirá um craseamento.
Ah, como o teu verbo copulativo deixa o meu pronome reto…
A abundância de teus verbos enche o meu dativo de interesse.

Por ti, minha sinédoque, serei sempre a forma rizotônica inflexionável.
Complementarei o teu nome com a preposição entre,
Articularei minha prosódia em teu pavilhão externo
E meus fonemas africados no fundo de tua glote.

Com métrica em picos ritmados de meu verso sátiro,
Terás oxímoros polissindéticos de tabuísmos repetidos,
Esbaldar-te-ás polissêmica e nada eufêmica
E engasgarás de revirar os pronomes oblíquos de tantas derivações regressivas que faremos.

20/07/08

segunda-feira, 20 de julho de 2009

RECEITA MINHA DE CARNEIRO COM CANELA

Põe-se em fogo baixo um carneiro ao leite com salsa picada, cebola em rodelas grandes, tomate maduro, batata inglesa e pimenta-de-cheiro, e os coalhadores:
Alecrim, para que cheire a dia claro de sol, e orégano, para um quê de frescor de chuvisco;
Uma touceirinha de coentro bem picado — para que cheirem as mãos;
O alho roxo esmagado e com casca, para que se lhe encontre depois a delícia do desmanchar-se à língua com um gosto novo, com um encaminhar-se tranquilo de fera mansa e já dócil ao novo dono;
Alfavaca ou manjericão, para que o coração se abra, mas não muito — esquece-se de comer, de coração escancarado;
Para que o carneiro berre de gozo nos lábios, o sal e a pimenta de costume, contanto que esta seja viva, nunca morta — uma dedo-de-moça vermelha e indecente é a melhor;
Uma coisica de mel de jandaíra, para que se lambam os dedos inconscientemente;
E canela em pó fino, finíssimo, puríssima, em quantidade e aplicação de adorno, simplesmente.

Vai-se primeiro o leite ao carneiro não muito tenro, para que não se desmilingua. Panela não é sítio de borregos.
Melhor é que se deixe o carneiro antes entender-se com o sal a sós, como bons filhos de quem são.
Caso não, acrescente-se este em seguida, mas, adverte-se, pode o leite anojar-se-lhe.
Após, ponham-se juntas e bem picadas as ervas chãs e o orégano, para que o carneiro delas primeiro se farte.
Acompanham-nas a selvageria roxa da cebola e do alho e a pimenta-de-cheiro, para que nos lembremos de quem somos.
Seguintes, o mel e a pimenta, que mais devem se amar no caldo que na carne, como sempre.
A batata e o tomate — a moça em nacos e este último em esguias e oblongas lâminas — devem ser sempre os últimos, chegando à panela quando borbulhe, nunca antes.
Sua presença é por demais egoísta e pode roubar ao carneiro algo de si que ali se pôs e que dali deve somente a língua retirar.
Antes — e muitíssimo importante —, esgueire-se fina e vaporosa a canela mais pura, pisada em pilão de goiabeira, andiroba, gameleira ou juá por quem entende do assunto.
Deve-se pô-la levemente, pois canela é dona que demora a perceber a que vem, e não se envolve assim tão facilmente.
Quando não se dá dos outros, é em si. E assim se sorve. Canela não é boa coisa de se irmanar.
No entanto, uma vez que entra em seu coração o envolver-se, desatina-se e possui a alma do outro, e nela ferve, amadeirando-a docemente.
Rastreiam-se a vida no sabor no caldo, os passos, no cheiro nas guarnições, a memória, no grudado na panela.
Todavia, quando se toca a carne com a língua doida de tantos sabores, percebe-se que é aquele que a justifica.
E, como a do carneiro, perde-se nela a alma da língua, da boca, do estômago, e esse roubar-se de assalto leva, por fim, o corpo todo, que se adoça, que se amadeira, que se languesce.
Fique-se de modo que, então, registramos que canela é coisa de intermédio.
Ponha-se quando se sentir próxima a vontade de pô-la, e saboreie-se tudo com desleixo, como um sono de três horas da tarde.

19/07/2009

terça-feira, 23 de junho de 2009

CAMAFEU DE LUA

Seus olhos aprocelados
De tantas santas-marias
Fingem cerrar, quando dizem
Que são muitas dores em cada presença
— que se esgarçam em suas tessituras
E que nunca alcançam umas às outras,
E que não se dizem,
E que existem sós em sua inexistência.

Dolorosamente chovem,
Indissipadamente crescem,
Enrugando raios, embolsando trovões,
Encrespando de piedade o mar dos seus homens
E afogando todas as almas que perderam,
Que esqueceram de levar às ilhas desertas de seus dias.

Por onde se esparsam, sem se dividir,
Sem nascer nem adolescer em seu envelhecimento
— que é tão comum na resignação parda dos simples —,
Aspergem dolentes, sobre as flores dos homens,
Crescentes de outonos, instâncias de sombras mornas,
Modorras de estios mornos, cadências de mormaços
Que, apenas se iniciam,
Queimam a pele da terra
Como queimam seus cristalinos de pedra, couro de sua pele.

Seus olhos ígneos e amarelos
Defloram os baixios onde casas se amontam,
Onde gentes dormitam e ebulem quietas
— flores cálidas que morrem vivas em suas cores —,
E seus raios choram sua dor,
E sua dor também não os alcança,
Também não os iguala dentro de suas córneas.

Arrebentam na porta dos homens
Seus olhos vítreos e opacos de aluvião:

Não abrem!

Desabalam os cachoeiros cheios de espasmos violentos
De seus olhos de queda-d’água
Suplicantes,
Efusivos de desespero pela infertilidade dos homens:

Não abrem!

Seus olhos afantasmados de vento
Tão-só vestem, invisivelmente comiserados de dor, os homens,
E se apiedam em levantes bafejados de pó
Contra seus corpos, contra seus olhos,
Contra seu caminhar bovino,
Contra sua carne de aço:

Não abrem!

As portas dos homens estão cegas
Aos seus olhos de sol
— portas sem frestas —
Que fazem com que a terra chore na ascensão do vapor que vira nuvem,
E que chore o céu na nuvem que vira rio,
E que sangre a terra no rio que vira mar,
Que o céu veste desveladamente azul de órbitas afadigadas e atentas,
Qual um manto pungentemente vivo
Onde brilha rosa-dourado um camafeu de lua,
Que, em seu brilho, chora.
Como choram seus olhos lácteos nas noites de vigília.

23/06/2009

CARIÑO LUCERO

Soy lo que me haces
Estoy donde me piensas
Tu risa es tu retrato
Mi risa, tu presencia

09/04/2009

sexta-feira, 12 de junho de 2009

MESÓCLISE

e tudo fica assim
torto
cego
.
o momento carne-e-cruz
em cima do morro dos olhares.
extraído, subtraído, substrato.
a fila das horas
                         s
                         e
                         g
                         u
                         e


                         l
                         e
                         n
                         t
                         a
                         m
                         e
                         n
                         t
                         e


                         de sàrt para frente.
o que é torto e cego descarna-se sobre o morro
e uma pequena mas fatal
                         mesóclise
explicitar-me-á
diante de todos os outros.

19/01/2006

PRÁXIS

Ver na carne a luta de uma vida inteira.
Vê!
E o que se verá é carne-só-carne
porque a fresta que mostra a carne verdadeira
a carne roxa de hematoma
a verde de sal
a negra da ferida
a gris da alma toda suja — suja do mundo
essa só se mostra para além, bem além
do fundo dos olhos.
Essa, não há espelho que exponha.

19/01/2006

JÁ NÃO SEI MAIS DANÇAR

Agora, já não me pulsa nas veias o sangue libertador
e o sem-brilho da escuridão forte e determinada
já não flui.
Agora, pedaços de carne se espasmam desencontrados,
perdidos, esquecidos por sobre os ossos sem dia e sem noite.
Por onde andam os espíritos das casas que fui,
onde estão guardadas as horas que passamos juntos?
Já não sei mais dançar.
Só restaram a poeira dos móveis, uns livros velhos e não-lidos,
uma arca de tesouros vazia de valor.
Preciso é acender a luz, descortinar o lume velho,
afogar a abstinência de muitos e muitos anos da fria realidade.
Preciso agora, mais que nunca, enxergar.
Os olhos abertos, no entanto, contam-me novidades desagradáveis,
coisas que penso já haver visto.
Talvez com os olhos antigos, de outros carnavais.
Talvez pressentido, com um sabor às vezes amargo de antigamente,
como se chegado um vento descuidado e fugidio,
um aviso da vida: nos encontraremos.
Hoje choveu e está quente.
Não há música em parte nenhuma da casa nem em mim.
Mesmo se houvesse,
mesmo que girassem de novo as pás do meu velho moinho,
já não danço mais, já não sei mais de nenhum carnaval.

17/03/2007

DA ESPERA DA CONCHA


Espero como a concha espera a onda no mar
Na beira, vem a onda
Ela lambe, afaga e quebra
E traz e leva e salga e fustiga
De carícias conjuntas e infinitas a concha
Que derrete, que dissolve e desaparece
Que, só querendo ser levada para longe, pra longe
É levada pra sempre
Na carne misturada da onda
Que é, na verdade, infinitas conchas
Que ainda esperam, vagando pelo mar
Espero como espera a concha
Que cochicha só, bivalve esquartejada,
Que cochila só no seu ofício de esperar

14/10/2007

NOITE

Nuvens cinza na janela
Passam.
Um morcego grita e a parede responde.
As telhas mal-emparelhadas resmungam
Sobre os caibros e os cérebros que também resmungam,
E as paredes, e os morcegos, e as nuvens,
Todos resmungam.
Assim vive a madrugada
Sem sono ressonante: tudo resmunga.

29/09/2007

MONTAR-TE

Montar-te peça por peça
E de cada tijolo untar de alma os espaços vazios.
Montar-te muro, quintal e alpendre,
Escadas e salões,
Entradas e saídas,
Montar-te os espaços inúteis
Onde o sol preguiçoso asperge de mormaço e modorra as reentrâncias repletas da desocupação que se instala junto a cada tijolo assentado, a cada gota de suor amalgamada ao reboco mole que espera a maduração seca da areia do tempo.
Montar-te feia, montar-te torta e desajeitada,
Derrubar-te propositalmente em certos pontos,
Fazer-te monturos de teus restos e empilhamentos de arestas arrancadas.
Deixar-te as portas em falso;
Colar-te mal os azulejos, anarquizar-te os mosaicos de abáculos desiguais;
Caotizar-te;
Enlabirintar-te;
Desdimensionar-te;
Montar-te o desmontar-te.
Depois, quando tuas peças de montagem, teus tijolos, teus ladrilhos e porcelanas, teus caibros, teus rodapés, teu chão, teu teto, teu preenchido e teu vazio, teu inespaço,
Quando tu
Estiveres montada,
Morar-te.
Mas morar-te do lado de fora.
À entrada.
Vigiando-te.

18/10/2007

O IMPOSSÍVEL CARINHO

De manhã na pele, sob as camadas
Intactas dos toques do mundo,
Quando as vias enredadas do sangue doce e férreo
Expandem-se ante pulsos descomprimidos, exortizações lentas
E encarrilamentos e descarrilamentos sincopados e preguiçosos,

Nessa manhã que raia epitelial, venal, capilar, sensorial,
Nessa manhã que geme felina nas células musculares,
Nessa manhã que se encaixa articular, óssea, glandular,
Nessa manhã que grita baixo, quase silente, suas castanhas untadas do grosso mel da vida, o mel que encrespa os olhos e inunda o sexo, e, com ele amalgamada, serve de cimento verde, azul e rosa para os primeiros pensamentos,

Nessa manhã de parto da terra,
Pensei em ti, em tuas mãos, em teus olhos e quadris,
Em tua concha recuada, em teus peitos de manga tímida e doce,
Em tua boca tão cheia de sorrisos e tão vazia de mim,

Pensei em ti toda
E em tua toda ausência e em tua toda presença
E em teu impossível carinho.

07/11/2007

MADEIRAS E CORDAS


Eu tenho a alma feita de música
Que o peito acústico esconde
Num instrumento delicadíssimo.

Acontece, meu bem,
Que eu não sei tocar.

24/01/2008

TODA AQUELA POESIA

não sei onde está
toda aquela
poesia
ia
.

agora as linhas não são mais que linhas meio que retas meio que fronteiriças meio que finíssimas espadas
alinhadas
no nada

e andar no fio da espada
como fazia sem sentir a poesia
sem medo do vermelho do sangue
sem medo do melodrama novelesco
sem medo
não dá mais

porque já não sei mais onde
por onde anda
o que é
dela

as palavras trapezistas
perderam as sapatilhas

as trombetas matinais
chamaram o corpo pro descanso do ofício
por uma última vez
que não sei quando foi

mas ficaram as linhas feito fios que se entramam em paralelas e parábolas tortas
de poste em poste uma malha de gaiola suspensa
como uma roupa em que falta quase todo o tecido

e nessas linhas me movo, por baixo, ao largo, à margem delas
misturado a tudo, esquecido como tudo, vago, soturno, desespaçado
por aí

feito uma poesia que já não é mais.

10/10/2005

EXPLICAÇÃO DO POEMA


(A Lílian Calixto, pelo acalanto nas tardes difíceis)
 

Não escrevo para guardar, já carrego coisa demais.
Escrevo é para matar essa vontade em mim de me livrar de tudo
E desaparecer em paz, como a lembrança do canto de um passarinho.


Eu escrevo porque o passarinho canta.
 

26/04/2006

ESPANTO

Vim por aqui meio a passeio
Parto deixando de rastro um pouco rastro
Semeio um canteiro de meia palavra
Não espero colheita, não espero frase.

Palavra é um acordo
Entre mim e ti.
Se de minha parte deixo meia,
Se faço cena e desapareço,
Se agradeço com as mãos num passo floreado,

É que a frase que desejas não cabe na língua,
Tampouco nas mãos.

Procura pela frase na pergunta residente no teu espanto.

25/02/2004

NA ESQUINA

I

Na esquina se avermelha um romance entardecente
No meio da poeira alteada dum moinho de vento.
São três da tarde. A mão do namorado entrelaçada
Não quer saber de tempo. Não quer saber de nada.
Alguma coisa prenuncia um beijo, talvez tenha sido
O rodopio.
Mas o que rodopia é o tempo, girando, sem sair do lugar.

II

Não há os sons dos passos, nem o grunhido dos lamentos,
Nem os roncos dos motores, não há.
Não há buzinas, não há os chutes na cara intermitentes dos sons automotivos.
Não há zumbido nos emaranhados das teias de metal,
E os silentes relógios emudecem, suspensos.
E tudo se suspende: o asfalto, o concreto feio das calçadas, os postes e as placas,
As coxias, a lama podre e os jequitis, e as pessoas desvanecem como através de tijolos de vidro refratário.
Um momento passa dormente, cadeias de momentos se perpassam
Em carrosséis feitos de instantes, orbitando ilógicos no espaço,
Em todos os lugares.
O dia se multiplica em uma infinidade de fagulhas de quartzo cor de opala.
O sol vira uma lembrança, a gravidade, uma sensação. O ar, a reticência de um perfume.
E aquele beijo, aquele beijo… aquele beijo vira uma vida toda num instante que, de tão curto, força para que tudo pare!, e assim ele vive, por aí, pra sempre.

III

O sol joga um acorde de luz na pauta ainda suspensa, deixada pra trás pela chuva de há pouco.
O tempo vibra. As três horas arriscam um falsete e o vento arremata a frase numa cascata de pêndulos invisíveis.
E, num mote improvisado, um bem-te-vi: bei-je-me…

29/12/04

SEM UMA VÍRGULA SEQUER

Você veio no escuro no meio da noite
Entrou pela porta limpou os pés na soleira
Pôs as sandálias sob a escrivaninha
Aspirou três vezes e suspirou esvaziando-se toda
Tirou a roupa os anéis os brincos a vergonha
E veio você sem uma vírgula sequer desse mundo torto.

21/07/2004

POEMA DE FIM DE TARDE

Incrivelmente a rosa
Na corola despetalada
Fechada e esquecida na mão
Queimada

Um mural sem sombra
Sem afrescos, atravessado
No meio do caminho

Calado

Vista de cima, a cena:
A canção suspensa, a metade
Escrita, a outra
É a tarde

Que vai embora num bater de asas
Ladra de refrão e tema
E melodia e rima e rosa
Não rosa, açucena

O meu poema é mundano, meu amor, o meu poema é pé-no-chão
Não voa; sabe mais andar
Se ele corre, foge
E ele corre? Não. Ele anda, ele anda…

09/02/2004

CORAÇÃO MEIO DO CÉU, MEIO DO MAR

Tem uma lua lá fora bem no meio do céu.
Ela tá cortada pela metade.
Alguém cortou pra lhe dividir o brilho
E a outra metade tá no leito, junto das pedras, no fundo do mar.
No fundo do mar, bem no meio do mar, bem no meio da noite do mar, na escuridão do mar.
A outra banda da lua brilha…
Será que brilha?
Só lhe sabe a sua outra metade, sozinha, partida, esquartejada, bem no meio do céu.

19/06/03

CORRER ATRÁS DA LUA

Correr atrás da lua
quando eu era criança, quando o mundo era criança, quando a noite era criança…
O mato quebrado nos cantos, tudo claro, tudo cinza-azulado e os cercados da vida ainda não tinham arames farpados.
Correr atrás da lua em disparada e sem olhar para frente.
Qual vento que podia segurar! Qual noite que podia amedrontar!
De companheiros, um primo mais velho e distante e os sapos perguntando: o que foi?
Que importa? Queria alcançar a lua e guardá-la nos braços, como se abraçando um troféu.
Queria abraçar o mundo, queria saltar o mundo, queria ser o mundo!
Às vezes sozinho, era muito raro. Aí, então, era de outro jeito.
Não corria com tanta pressa. Caminhava ao lado da lua.
Já não olhava tanto para ela, sabia que ela estava lá.
Olhava mais para frente. Sentia a frieza do vento e o amedrontado da roupa da noite.
Sentia a presença de tudo sem tocar, sem ver, sem ouvir. Os cheiros gritavam seus significados.
E havia outro cheiro e outro gosto, que se sussurravam em meu peito.
E a cada passo caminhava mais para dentro. Mesmo quando saía do mato.
Cada passo era para dentro, para dentro de mim, para dentro do mundo.

17/05/03

DENTRO DA NOITE

Noite afora, as horas rezam caladas nos ponteiros e na alma.
Quando o sono vence o combate, o corpo, esgueirado entre a noite já ida,
Sussurra e se rende sossegado, lânguido, suspirado.

No céu, ainda alguns vultos e estrelas. Tu contas as que caem.
Ao meu lado, partículas da noite ainda gemem e suam e se dobram e se unem
Onde há pouco houve inteira essa mesma noite.

Se estico o braço, ainda toco e sinto o calor que nela deixamos.
Em teu seio mora aconchegado o som morno do nosso cansaço.

Em teu olhar — esse olhar de gengibre, tão vivo e tão terno —
Se estampa a entrega do meu:
Um beijo que continua o beijo,
Ao que me cobre a nudez com que teu olhar me despe.

Em minha boca, o teu gosto doce, amargo, salgado, forte, renitente.
E nela, ainda um mesmo beijo continua o beijo dado.

Dentro dessa noite fizemos nascer um calor solar
Que aquece todo o espaço frio entre nós e as tantas outras estrelas
Que, em suas constelações, nos observam placidamente adormecer.

E raiam como nós
E brilham como nós.

03/08/2002

SONHOS NO FUNDO DO RIO

A menina jogou uma rosa na água
E disse: “vai e me traz o meu amor”, pobrezinha.
Se fosse uma florzinha dessas de mato, impregnadas de vida,
Ou um aguapé,
Ou um mal-me-quer, ou um lírio, mas uma rosa…
As rosas são para sonhos, as rosas não sabem nadar.

Contemplou a redonda e branca flor que boiava (a lua)
E sonhou.
Um sonho cheio de rosas,
Muito acima de qualquer profundidade.
E no fundo do rio, a rosa, adormecida.

01/04/2000

COISA BOA

coisa boa é fruta doce
água doce
beijo doce
coisa boa é amar sem propósito o que não tem passado nem futuro
sem o engajo da aventura, sem o enlevo da primavera
coisa boa é amar sem saber que ama
e assim ser amado, sem perceber
coisa boa é fruta doce, que se come sob o pé
na sombra morna das três horas da tarde de cidade do interior
coisa boa é abraço fora de hora e beijo fora de moda
mas beijo doce, sem tempo de terminar

22/01/2000

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O MAREJAR



Deus está na ausência do homem.
Mas como pode ser que, quando vejo o mar, eu veja Deus se eu ali estou?
Então é que Deus está ali mais amplo, mais claro, mais perceptível?
Ou não é o mar nem as ondas nem a ausência de todos os homens o que vejo?
Estaria Ele na minha ausência própria?
Ou o contrário?
Será que é em mim?
Eis o mar, e o que vejo, tudo para quanto olho, e para dentro, para dentro,
E vêm as ondas, e quebram nas pedras, e lambem a areia,
E espumam, e se revoltam, e escorrem para o ventre ermo, e retornam,
E saltam seus palmos às pedras novamente para dentro, para dentro, para dentro…
Não, Deus não está neste mar nem no homem.
Nem na ausência do homem.
Mas continua o marejar arrebentando
E o barco das espumas carregando os olhos para longe de mim.

15/02/09

PÍER

A minha raça, a minha cor, o meu credo,
Quem cantará?
Quem participará aos seus irmãos que, no meio das pessoas, havia um homem
De coração forte, pele castanha,
De mãos pequenas e pés doentes?
Saem as nuvens detrás dos edifícios e o sol detrás delas.
As pedras dormem cobertas pelo mar sonâmbulo.
Torvelinhos se formam.
A tarde se deita em si.
Quem dirá do que foi? Do que era?
Quem levantará os olhos como eu e verá
O carinho do vento sobre o couro da Terra, e os cabelos das árvores, e a alma do mar?
Quem dirá que meu espírito apascentou?
Quem dirá a condescendente palavra?

14/02/09

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

ESTRADA DE ROMARIA

O meu chão é um chão de quem não tem pátria.
Meus pés correm descalços sobre brasas
que ninguém vê.
Na estrada, na longa estrada,
descampados imensos cortam a harmonia do horizonte
e não permitem a terra chegar ao céu.
Esparsos baixios sem mato e sem árvores se esparramam insalubres.
Capoeiras inteiras ardem sob o coito heféstico
de um sol insaciável.
O demônio guerreiro espolia o chão,
chicoteia o vento
e sevicia o tempo para que não ande.
E este, agrilhoado, estrebucha aos gritos em uma hora imóvel
como uma égua que traz queimada sua genitália
e não tem como escoicear.
A estrada se abre e, enormes, suas pernas tomam de assalto o horizonte da terra.
O círculo do céu como que se afasta covardemente.
O céu não é bom amante.
Seus domínios são a estalagem dos demônios de fogo amarelo
os quais, sob seus olhos azuis arregalados, estupram ininterruptamente o chão,
a terra,
o meu solo sem nome, sem rastro, sem memória.
Arrasto atada à minha sombra minha identidade como um saco de ossos de García Marquez
e minha viuvez de esposa viva carpe a ausência de seu abandono e de sua desolação.
Aonde iria minha terra?
Para onde me levaria?
Para o mar?
Para as grotas negras de suas entranhas?
Para o meio de seu sexo, o final de suas paralelas estrábicas?
Para as profusões de gentes que me vestem como germes?
Para as veias ainda mais negras das cidades?
Para onde, minha estrada sem nome?
Para as fundições onde cozem as brasas sobre as quais piso
e ninguém vê?

06/02/09

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A AURORA

Abri as portas das Casas, meus amigos.
O dia de vossas querências chega com a aurora.
A busca dos raios do vosso sol — este, que raia —
Alveja as paredes caiadas em torno de vós.
Abri também as janelas, se possível, fazei novas frestas.
Melhor: derrubai as casas. Desintegrai os tijolos,
Uni os espaços, amnesiai-vos de todas as divisões,
Que os dias de vossas querelas findam com a aurora
Que chega e entra e possui como um demônio violador.
Dos caídos. Dos insuspeitos.
Preparai-vos, que, com a alba, é chegada a desejada
De todos vós: a desinibidora, a desconstrutora, a ungente.
A luz do dia que porá por terra o despreparo de vossas almas.
O desespaço; o inespaço.
Abri as portas da Casa.
Destrancai os olhos ao que nunca quisestes verificar,
Ao que temíeis, ao que vos afligia.
Derramai por toda parte as vossas cargas,
Desatai os nós de vossos dedos e deixai que se desenlacem de vós
Os pecados de vossos temores no Pecado.
Deixai que todas as miradas vos perpassem
Como num teatro de vidro uma chuva de raios furta-cor.
Desengendrai vossas tramas, retrocedei vossos engenhos,
Desguarnecei-vos de todo cuidado.
Entregai-vos.
Abri as portas das vossas Casas, meus amigos,
Que é chegada a hora de vossas intolerantes e imperdoáveis paixões
Vagarem nuas, alucinadas, estapafúrdias pelas ruas.
Deixai que sangrem de vossos corações os ódios e os amores.
Esquecei de vós e dos vossos, que é também chegada a sua hora.
Não há mais o ridículo nem o virtuoso. O que temíeis revelar será exposto pela manhã.
E não haverá o menor traço de vergonha a perseguir-vos pelos vossos rincões.
Perdei o medo
Da mulher;
Do ladrão;
Do patrão;
Do Leão;
De vós.
Meus amigos, meus queridos amigos, apaziguai-vos.
Não haverá mais conflito entre as vossas vontades e os desideratos da vida.
Nem mais linhas que delimitem a vida e a morte.
Será o fim das horas, dos segundos, o rompimento do real e do metafísico.
Não tereis que pensar sequer.
Rompei a barreira escravizadora do imaginável.
Esquecei-vos.
Abandonai-vos, meus irmãos.
Parti todos vós como um olvido,
Congraçados pelos raios onipresentes de vossas auroras.

22/02/07

ENLUARADA

Toda noite
Enluarada
Tem escondida por trás do branco-prata
A tristeza moura de um minarete abandonado,
De uma reza engasgada,
De um partido coração.

A pérola almiscarada
Nascente
Só esconde atrás de si
O que, no peito desamado, reverbera:
Ventos brancos e estéreis,
Mas quentes
E secos, mortalmente secos,
Que servem de rio e carruagem
Para a noite vermelha e maltratada da saudade.

22/03/08

A LÁGRIMA APARTADA

Vi uma mulher numa fila
Ajeitando o cabelo com as mãos mecanicamente.
Vejo outras nas escadas, nos salões e corredores.
Vejo seus homens e seus filhos e filhas.
Suas mãos se movem e desenham no ar sombras graciosas
Sobre as mulheres que imagino.
Estas ondulam entre as outras e através delas,
Escondem-se por trás dos seus óculos,
Riem com os seus risos
E silenciam e choram dentro de seu silêncio.
Vejo mulheres que choram, tenho-as visto minha vida toda.
Por trás das camadas de roupas e da maquiagem elas choram,
Por trás dos olhos, sob a pele, dentro dos ossos,
Elas choram caladas e lamentam, e lamentam.
Em seus olhos.
O que nelas chora é a carne
E, de sua carne, tudo, tudo…

18/05/08

FLORES BRANCAS

A lua é cheia e parece rasgar a seda negra da noite.
A janela aberta me ensina a olhar o céu.
Aqui, tudo quieto e o som da água entrando na caixa cobre a alma que dormita por trás do fundo dos olhos.
Resta uma nuvem que migra esfiapada — acho que morta ou encantada.
E longe, curva-se a estrela-mãe sobre um teto de flores brancas que ressonam seu perfume.
A lua se repete multipetalada nas flores.
Vela-lhe o sono a mesma estrela, manjedouristicamente, e reza a nuvem calada as chuvas de seu ventre.
A noite é mansa.
A vida é jovem.

19/07/08

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

A LUA QUE TU ERAS

Minha gente, minha roupa,
meu casaco de vento
e meu chapéu de céu:
minha ternura, onde reina?
Meu abraço não te alcança, mein cherub,
nem meus olhos te desenham o rosto,
pois não te leio mais.
Minha fruta moreninha de vida,
meu quintal sombreado de abacate,
minha luminosidade
se esconderam nos filmes da tevê
e na minha janela triste
sem ponto e sem horizonte
— tadinha, tão toda desenquadrada.
Dela, fugiu até a lua:
minha lua, a lua que tu eras.
03/12/08