Número de sílabas (desde 11/2008)

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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

EU NÃO CONHEÇO ESTAÇÕES

Eu não conheço estações.
Nunca vi o mar grego nem um campo de trigo ao pôr-do-sol.
Nunca ouvi uma chuva de primavera
Nem vi uma árvore desnudar-se em seu outono.
Não sei o que são farfalhares de asas em tristes salgueiros.
Nunca senti o frio de um córrego límpido e triste entre as encostas escarpadas da solidão de penhascos nas cordilheiras.
Não sei o que é a solidão do mar
Nem a vastidão do mar
Nem os quebrantos de olhar de longe o porto seguro de uma pátria
Nem a angústia da iminência de se encarcerar em uma prisão.
Não sei.
Não conheço as maravilhas que servem de cavalos para os sentidos que lhes galopam em pêlo.
Só conheço essa vida,
Só tenho essas mãos.
Sei de pessoas comuns e de seus sentimentos comuns.
Só sei dessa vida que contempla maravilhada os prodígios mágicos da criação,
Para voltar, depois, regozijada e prenhe,
Para o eito maquinal e alheio de seus ofícios de desentreter.

A mulher que costura panos
Poderia dizer que é verdadeiramente simples
A mulher que os teceu,
Mas uma máquina incapturável os urdiu.
O homem que opera a máquina
Poderia elevar seu canto ao que, em uma forja negra, malhou o seu metal,
Mas foi de uma outra o processo da serial manufatura.
Mas aquele que opera botões e empurra alavancas
Diria que um homem de mãos duras e gretadas
Arrancou da terra a pedra crua, gérmen do metal,
Se não fora a bruta dinamite que sangrara a terra e enfeiara para sempre a face verde da montanha.

Só tenho essas mãos
E só posso cantar os catadores de lixo,
Os malabaristas de sinal e os coletores de papel.
Eu os canto sem paixão e sem crítica,
Em seu constante cruzar encruzilhadas,
Como se não os visse, como se não fosse visto.

16/01/08

O SILÊNCIO ENTRE AS PALAVRAS


Somos o silêncio entre as palavras
Quando falamos, quando nos descrevemos,
Quando nos decompomos no que julgamos ter cor e cheiro e gosto.

Somos as palavras que calamos.
Quando dizemos nuvem, a nuvem dentro de nós
Chove, desaba em torrentes, sombreia, navega…
Mas a nuvem dentro de nós não chove nem faz sombra
Porque ela é o que somos
E não sai ao mundo na palavra sombra nem na palavra chuva.

Eu sou o meu silêncio, o meu silêncio de mar, de nuvem, de pedra.
Eu sou o aço que dorme na pedra do meu silêncio.

Quando digo adeus, eu não sou o adeus,
Eu sou todas as palavras silenciosas, inexprimíveis,
As palavras ígneas do inferno do meu adeus.

19/04/08